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Hoje vou dedicar-me um pouco ao excel (deixei-o em pousio há semanas), pelo que não há tempo para A Guerra, mas apenas um diário vite vite, como dizia a Virinha (com entrada na série Verdes).
(muitos dos parêntesis das Comezinhas são para consumo próprio.)
Além disso quero ver se durmo mais uma horita por dia, mas está difícil: se me deito mais cedo, acordo também mais cedo. Não é raro sentir sono após o almoço, mas hoje aconteceu pela primeira vez estar a trabalhar e os olhos fecharem-se, adormecendo por microssegundos. Vergonha, ainda bem que ninguém notou.
Sem qualquer intenção de retaliação pelo que aconteceu na semana passada, hoje foi a minha vez de passar a manhã a lidar com erros de terceiros, tendo de os assinalar. Calhou, simplesmente. Faz parte das funções, não pude evitar. Tal como não pude evitar a sensação de coincidência feliz. Bom, não é feliz, é antes coincidência harmoniosa, daquelas que nos faz perceber estarmos em última análise em pé de igualdade no mundo pela sujeição às vicissitudes da Natureza. Na fragilidade. O erro toca a todos e cá estamos para assinalá-los e corrigi-los com humildade.
Há pouco vi uma vez mais o jornal da RTP 2 das 21h30. Por comparação com a estridência da concorrência começo a ficar fã. Bem sei que os meus gostos vão variando, mas por agora é para aqui que estou virada.
Sei que durante o dia surgiram duas ou três pequenas ideias para desenvolver, mas fugiram mesmo sem remissão. A cabeça está oca. Vai ser uma bela noite se sono, prevejo. Depois do excel e de umas deambulações e leituras rápidas.
O café está-me a saber pela vida.
Ah, uma ideia recorrente que não fazia parte das duas ou três que queria figurassem hoje no blogue, é a da singularidade e de como um certo cariz fora da caixa não é premeditado. Hoje disseram-me que não estou inteiramente fora da caixa, mas antes agarrada na borda dela a tentar mudá-la. A singularidade expressa no surrealismo dos GNR estaria então, segundo depreendi e dentro desta visão, num domínio mais fora da caixa, um pouco mais solitário, um pouco mais eternamente adolescente, um pouco mais escondido de si próprio e incompreendido. Entendi a ideia de quem me é muito próximo e me vê apenas na borda da caixa. É uma imagem benigna, dita por quem tem uma alma bonita e continua a ver o mundo, e a mim por junto, de uma forma limpa. Não me tenho em tão boa conta e fico-te tão grata, Nuno. Não podes imaginar quanto estou grata por ao longo destes anos poder dizer o que sinto de facto, por te mostrar toda a minha atabalhoação e podres e ainda assim contar sempre com a tua enorme compreensão. E não é que não saiba que também contas com ampla compreensão da minha parte, mas o meu papel é muito mais fácil por seres mais inteligível, delicado e decente. Foste e és uma bênção de Deus na minha vida, independentemente do que o futuro nos reserve. Não me canso de dizê-lo.
Os ataques sórdidos e dissimulados somam e seguem - para glória da nação. A matilha de cobardes encostados acha-se impune, agora como há 18 anos. É isto que vinga no país e é este lodo que tem a lábia de tecer comentários sobre a mediocridade de Portugal.
Cheira-lhes às cadeiras do poder e ao protagonismo. Ficam desaustinados.
O desejo e a acção de agredir gratuitamente são menoridades inqualificáveis. Poderão não ter resposta de quem sofre sem qualquer justificação os ataques e tentativas de humilhação encapotadas. Mas a própria vida ou a proximidade da morte de quem ofende trará a resposta.
Paz à tua alma.
Será que ainda vou a tempo de retomar A Guerra? Comecemos como é hábito pelo pessoal e trivial. Nos últimos meses, já este ano, fui jantar fora quatro vezes. Tentei recuperar o hábito de almoço ligeiro uma vez por semana em café ou restaurante para cortar um pouco a rotina da semana. Na próxima sexta-feira voltarei à companhia da E. e da B.. Mas os jantares são na companhia do Nuno. Dos tais quatro, dois foram em centro comercial, um em casa de amigos, hoje outro aqui perto. A vida muito caseira e baseada no ir e voltar do local de trabalho não permite tomar pulso ao que se passa à volta e é preciso estar atenta. O centro comercial ao Domingo à noite tem chusmas de jovens, famílias com crianças (em regra, uma por casal) e alguns anciãos. As lojas têm clientes a comprar. Os supermercados estão quase sempre cheios. E se há pontualmente casos preocupantes que denotam dificuldades financeiras, o ambiente geral não é de todo de sufoco económico. Mas dizer isto hoje é crime de lesa-majestade, visto que as televisões, redes sociais e as guerrilhas políticas nos mostram o país em colapso financeiro – não é que ele não seja provável de tão provocado. É verdade que alguns restaurantes de rua fecharam temporária ou definitivamente, o que não é estranho ao facto da proliferação absurda de espaços de comes e bebes para acorrer às investidas de turistas. O mercado automóvel apesar de ainda não estar ao nível pré-pandemia está em franca recuperação com aumento das vendas, em particular, de eléctricos. Os profissionais do sector imobiliário contam que 2022, com uma procura muito superior à oferta, foi um óptimo ano para o negócio, apesar do aumento das taxas de juro e da inflação. Resumindo, para um fatia grossa da população a vida corre bem e, curiosamente, não é essa que está sossegada, mas antes a que mais barafusta. Os mais prejudicados continuam como sempre pouco audíveis.
Nada do que disse antes invalida o surgimento de uma real forte crise financeira já que a realidade paralela da especulação informativa e da especulação financeira actualmente são factos muito mais poderosos do que aquilo que existe e é visível. Em Portugal acrescem os tradicionais, mas agora ampliados, incompetência, egocentrismo e corrupção dos serviços públicos e alguns privados e dos seus gestores. Se os efeitos da guerra na Ucrânia vão ficar pela inflação temporária (um, dois anos?, mais?) e se juntamente com o aumento das taxas de juros serão o factor mais penalizante para a vida dos europeus, em geral, o futuro e os economistas cheios de certeza saberão. Hoje vi Cavaco Silva chamar ignorantes aos novos marxistas. É sabido para quem lê as Comezinhas que tenho grande apreço pelo ex-Primeiro-Ministro, mas muito pouco por este tipo de insultos – mas lá está, será normal para quem não tem dúvidas e raramente se engana. A questão principal é saber se a guerra extravasa à esfera global apenas sob o ponto de vista económico ou passa mesmo para o plano militar. Este é o cerne dos postais sob o nome A Guerra que estão a ser redigidos ao correr da pena com a ideia base da probabilidade de estarmos na antecâmara de uma guerra mundial. (Uma espécie de Mil e Uma Noites para a realidade não doer tanto quanto mostrada de uma só vez. Afinal este é o sentido da criação e revelação divina, não é?) O que não é dito, em geral e a direito pelo susto que consubstancia, pelos meus concidadãos.
À ida para a piscina municipal onde nado notei novamente num pormenor que me traz grande alegria. Um detalhe em que reparo há anos aqui na cidade do Porto. Espero que seja realidade mais ampla. Ao Domingo à hora de almoço é comum ver na rua filhos de meia-idade da companhia dos seus pais anciãos. Umas vezes a sós, pais e filhos, outras com outros elementos da família. Cruzo-me todos os Domingos com esta realidade, que me faz orgulhosa da terra onde vivo. Isto é sinal de civilização.
Hoje vi o jornal das 21h30 da RTP2 e fiquei a pensar se não devia tomar o hábito de ver diariamente um jornal sucinto em vez das habituais demoradas ensaboadelas jornalísticas.
E por aí fora. Esta lista não teria fim se continuasse a dizer tudo quando me anima.
Depois deste elenco não posso senão concluir tender mais para o feliz do que para o infeliz. Não foi com essa intenção de terapia que comecei a escrevê-lo, mas ainda bem que teve esse efeito útil. Não sei se faça um postal com o que não gosto e outro com o que me deixa indiferente. Ficarão para um dia lá mais adiante.
Se este postal tivesse pretensões, no lugar de boa música estariam três referências a obras e compositores célebres, em vez de pintura figuraria o nome de um par de mestres e seus quadros, tal como mencionaria a forma como me teriam tocado quatro poetas e dois romancistas. Desapareceriam as banais torradas para dar lugar a um requintado prato confeccionado por chef de renome. E por aí adiante. Sucede que não há em mim intenção de exibir uma vitrine de conhecimento em leque, mas tão só revelar o que penso e sinto. O que na verdade me alegra.
A imagem poderia ser mote para um post bem engendrado, mas não há talento para tanto. Limitas-te a contar que depois do almoço foste à Ale-Hop e à Decathlon em missão. Recebeste encomenda: comprasses presentes para te oferecerem. Como és muito difícil de agradar, em sofrimento demoraste extenuantes e desagradáveis 15 minutos nas compras. Contrariadíssima escolheste duas canetas, uma com o dito be the energy you want to attract (vai ficar no local de trabalho, como incentivo a portares-te bem) e outra com a frase Reminder You can do everything que vai para casa (afinal que melhor lugar para a pouca-vergonha de seres livre e ousada?). Pena quase já não saberes escrever com caneta no papel. Depois continuaste o suplício escolhendo entre o que havia um fato-de-banho de piscina preto debruado a cores berrantes, já que continuas a usar os de praia para o efeito. Reparas agora que a marca no fato-de-banho novo é Naba qualquer coisa: é justo, é justo, e apropriado.
Hobbies? Perguntavam-te há 13 anos no Wall Street English (quem diria, se o inglês continua macarrónico). Respondias: escrever e nadar. Mal sabias, mal sabias (ui, ontem diminutivos, hoje repetições; xi, é que não sabes mesmo as regras da escrita, não falhas uma heresia, caramba; devias fazer um daqueles interessantíssimos cursos de escrita criativa).
Ah, ao almoço foram filetes de pescada com batata frita e salada. O prato que mais vezes eleges (variando o acompanhamento com salada russa ou arroz) quando almoças fora de casa em dia de trabalho. Não queres que falte pormenor nenhum, e não gostas de desprezar detalhes importantes como a mais corriqueira e enfadonha gastronomia - lá está, falta-te o curso de escrita criativa, caso contrário o menu seria muito mais empolgante. Sofres tanto. Que maçada.
A má sensação de ontem, após colocar os vídeos que exibem os efeitos da exposição excessiva ao mundo online e redes sociais em particular, esboroou-se em cerca de meia hora. Vale a serenidade de quem já se habituou a colocar em perspectiva todas as conclusões dos estudos científicos e descobertas da verdade a cada momento. Não é que desconheça a adicção ao mundo virtual nem que não constate o descontrolo com que muitos de nós nele vivemos. Muito menos me é estranha a busca de gratificação com a exibição da vida pessoal ou a diminuição das capacidades de concentração e memória. Tudo isto é um adquirido que só me envergonha por uns minutos. Todos nós sabemos o que é o vício em geral e muitos temos luzes do que se passa no cérebro por acção dele. Todos conhecemos uma ou várias pessoas que em conversa cara a cara fala em catadupa de si próprio – alguns homens adoram acusar as mulheres de o fazer. Todos reparamos no alheamento dos que vivem mergulhados no seu mundo e as dificuldades que têm em ser mais pragmáticos. A consciência dos nossos erros ou vícios não é, ao contrário do que muitos entusiastas proclamam, o ponto de partida para mudar de vida. Vamos com calma. O mundo mudou e nós com ele. Temos em perspectiva, por exemplo, as teorias sobre os efeitos nefastos da televisão sobre a visão e moral das crianças e as mais do que muitas teses sobre os alimentos que fazem bem e mal e todas as modas associadas. Por que razão me vergonho de me gratificar ao contar o dia no blogue, se a gratificação através do exercício físico é entusiasticamente aconselhada e nunca menosprezada? É certo que posso cair no ridículo, além de maçar os outros. Têm bom remédio. Não leiam. Por isso não o fazemos tanto no mundo físico, os outros mostrariam o desagrado e retrairíamo-nos. (sobre o individualismo falarei mais adiante.) Por que razão me penalizo por ter falta de concentração e memória? A segunda falta-me desde criança, quando ainda não tinha contribuído voluntariamente para a formação do carácter, a primeira sei que resulta também da falta da disciplina e sim, dos vícios da nossa época, mas será que me foi dado tempo para me poder concentrar? O gozo com as queixas de muitas mulheres é muito, mas será que haverá a real noção das preocupações que as ocupam: pessoais, afectivas, familiares, domésticas, profissionais, sociais e intelectuais? Não tenho dúvida que muitas de nós se queixa mais do que devia e faz muita mais ronha do que dá a entender com espavento aparente, mas por cada uma que “dá o ar” e assim se torna bem sucedida quantas fuçam de facto, em esforço e com mérito, sem grandes recompensas? Também é certo que a vida é feita de fases e nas mais sossegadas poder-se-ia aproveitar melhor o tempo, mas será que muitas de nós não precisam de descansar dos embates dos tempos conturbados? Enfim, o que quero dizer é: com trinta mil preocupações, nomeadamente, com os outros, que tempo temos para nos concentrar e trabalhar a memória?
Sobre o individualismo queria dizer que no ano passado um amigo me fez chegar um estudo da área das neurociências que se debruçava sobre as diferenças nos cérebros orientais e ocidentais. A questão colocada era a da cultura influenciar o próprio desenvolvimento de zonas neurológicas - desculpem e simplificação, mas não estou para ler novamente o estudo e usar os termos técnicos. Os orientais (creio que os indivíduos estudados eram chineses e japoneses, mas não estou certa) valorizariam mais o colectivo, a família e relações sociais. Os ocidentais (do norte da Europa e norte-americanos, creio) o individualismo, eles próprios. Os orientais o geral. Os ocidentais o particular, o pormenor. Tudo isto se vê biologicamente, digamos assim, no próprio cérebro. Nas diferentes zonas neurológicas activadas por estímulos diferentes. Perceber as diferenças nas funções cognitivas e afectivas entre ocidentais e orientais é um bom princípio de entendimento do mundo onde vivemos.
Também queria deixar nota da leveza dos últimos dias. Se bem que os astros e o bom senso me aconselhem a não embandeirar em arco e a festejar antes do tempo, não me consigo conter e contar que nos últimos dias me deparei com uma série de pequenos acontecimentos e gestos que me deixaram contente. A animação a quatro nas últimas semanas com o combinar de reunião de amigos da adolescência (de que já falei). O nascimento do bebé da colega de trabalho com quem dividi a sala durante 14 anos, um momento de extrema felicidade para ela e marido, por além de tudo ser desejadíssimo há muitos anos. Os telefonemas da amiga com quem dividi durante dois anos escritório de advocacia e com quem troco há anos mensagens no Natal, nunca se concretizando os almoços que prometemos. Com mais 14 anos do que eu, e um feitio franco e aberto, deu-me há quase 20 anos um dos melhores conselhos que tenho memória. Finalmente vamos almoçar. O telefonema de um amigo a relatar contente novidades profissionais, que me deixam felicíssima por ele e a acreditar que de quando em vez o valor é reconhecido. Uma série de conversas amenas em família e a vida profissional a correr bem. Depois há o mundo na internet, dos blogues, da escrita que também vai correndo bem. Não me devo gabar, mas é bom saborear os bons momentos. Sem medo de ao falar do contentamento atrair a infelicidade. É tudo.
Ontem, quinta-feira.
(meio Varanda, meio diário.)
Hoje não há post A Guerra. Adormeci mais uma vez a seguir ao jantar e acordei quatro horas depois. Teria de pensar um pouco e não estou para isso.
Foi um dia puxado. Profissionalmente confrontada, depois de examinado o meu trabalho à lupa, com um acumulado de pequenos erros dos últimos tempos. Passei o dia a responder pelos ditos erros próprios, alheios e informáticos (estes têm as costas largas, como é sabido) e foi uma ufa chegar ao fim da tarefa. Se isto tivesse acontecido há dois ou três meses teria caído o Carmo e a Trindade no meu cerebrozito então fragilizado. Ontem ser tão escrutinada poisou na couraça de sensatez e pragmatismo que sei nem sempre possuir. Ainda bem que assim foi. Também mereço paz.
Entretanto é sexta-feira. A sensação é que a semana passou num ápice. E apetece-me nadar, é tudo.
(continuação)
Hoje também já dormiste um pouco depois do jantar para conseguir aguentar o pedal. Ouviste umas tantas vezes Curtis Stigers e Katie Melua, que esta tarde encontraste em Estugarda – és tão viajada no YouTube. Curtis Stigers, uma descoberta própria de há anos, tem aquele quê desajeitado de quem se entrega, o gingar estranho de quem pisa uvas e não cola nas imagens construídas ou artificiais. Gostas da bonita voz projectada ao natural – sai sem grande esforço - e de o ouvir no saxofone. Katie Melua foi emprestada já este ano por uma colega de trabalho e além de uma voz linda, toca guitarra e crês já a ter visto ao piano.
Muitas vezes deste por ti a pensar: que sorte conseguir tocar um instrumento. Que fortuna poder expressar sentimentos através de uma linguagem universal. Tens uma espécie de ciuminho (ah, heresia, um diminutivo, coisa de quem não sabe escrever, credo) saudável dos artistas que admiras, como se quisesses ser capaz das proezas dos músicos e pintores. Em miúda quando ias para a Biblioteca Municipal de Gaia ler o que não interessava ao percurso académico, num livro de astrologia, leste que estarias destinada a ligares-te afectivamente a artistas. Uma espécie de vocação, completar-se-iam assim. Talvez por isso tenhas tropeçado com estenderete no Nuno. Sem estardalhaço, sem exibicionismo, desenhava tão bem, e lá vai ouvindo, coleccionando e aprendendo música e tocando piano e teclado quase todos os dias para esta plateia dedicada que és tu – e vais amealhando momentos afortunados numa casa longe de perfeita, mas onde reina a confiança e cumplicidade e nunca vingará a grosseria e a ridícula presunção de quem não respeita e se acha acima dos demais. É o que interessa. Entretanto não sendo tu capaz de desenhar, pintar ou tocar um instrumento músical, resta-te aprender a escrever. Lá está, a mais democrática das artes, por não depender de grande investimento material, nem espiritual.
E a guerra? Onde fica? Ainda não vais directa para ante-estreia da dita nos jornais que variam a entrega de factos ao domicílio entre momentos quase in extremis de escalada do conflito para fora das fronteiras da Ucrânia e o repisar das empolgações ideológicas que antecipaste na Ana Paula. O mundo está sensível, o país está sensível, como era previsível que estivessem. Vais deixar a guerra propriamente dita para depois e dizer que a polarização ou radicalização decorre do desfasamento do espaço público face à realidade.
Durante anos, décadas, engendrou-se inverosímil mundo fabulado no discurso da comunicação social – à imagem e para sustento de quem ascendia sem esforço nem especial mérito aos megafones da sociedade. Tudo decorria tranquilamente, até porque enquanto isso sucedia, a população ascendia ela própria a patamares de conforto económico e a uma qualidade de vida nunca antes vista. E quando quase tudo corre bem a verdade fica adormecida no doce leito das facilidades. Não se vêem as desigualdades e injustiças diluídas no movimento de progresso que confere aparente imagem de bem-estar comum. Ficam debaixo do tapete, fazem parte do indizível no espaço público, do proibido.
Ora, neste contexto, qualquer abanão nas condições materiais da população – agora genericamente habituada a níveis de conforto muito distantes da realidade dos pais e avós – põe a nu o logro, a ficção da justiça no acesso ao bem-estar. E a mais recente inversão do cenário - com regressão na qualidade de vida e baralhação dos cérebros por efeito do desajuste no rápido desenvolvimento das inovações tecnológicas, na inabilidade para as usar de forma eficiente e na susceptibilidade do seu uso malicioso -, desnuda gentes muito mais exigentes e reivindicativas, esquecidas do passado, cada vez mais afogado nas catadupas de informação e entretenimento vendidas pela comunicação social e redes sociais. A memória curta convém ao discurso dominante. Vinga gente cada vez mais individualista - longe vão os tempos em que se lutava por um país melhor, hoje luta-se por um lugar para si próprio, amigos ou classe profissional cada vez mais perto do sol, mais exclusivo, mais radioso. Ambições incomportáveis para o todo, em que ninguém parece estar interessado, tanta é a ambição individual ou tribal. Aspirações quantas vezes desacompanhadas de empenho próprio de produtividade e em desrespeito pelo esforço dos outros. Quando não desprezo ou ódio propriamente dito pelo outro.
Ah, a solidariedade, onde vai ela? Palavra antiga e em desuso. E o papel da comunicação social nisto? Dar eco à intriga política disfarçada de luta pela melhoria das condições de trabalho e vida – notícias, artigos e reportagens por encomenda de interesses corporativos. O caricato é que o faz no intervalo de dar eco aos mais selvagens interesses liberais ou de sacrificar um qualquer sector da sociedade malquisto por uma qualquer vaga noticiosa, ou de beatificar indivíduos ou grupos sem especial mérito. É o desnorte total. Os megafones dados a quem berra mais alto na defesa dos seus interesses egoístas, sem qualquer critério de justiça e bom senso. Tudo abana, como previsível.
(há-de continuar)
Altamente desaconselhável. Assim defines o post que agora começas e cujo teor ainda desconheces, mas prevês pouco dotado da sensatez e da reserva desejáveis.
Acabas de limpar pela segunda vez hoje a caixa de areia do gato e de te recordares da parede de tijolos do tio F., o tal jesuíta primo da tua avó que alertava para a necessidade de manter as almas ocupadas, atentos os perigos do ócio. Conselhos em desuso nos tempos modernos que preconizam o homem inteligente e capaz de pensar sobre o mundo que o cerca de molde a não se conformar com o destino que lhe coube. Hoje defende-se uma espécie de emancipação humana, sem critério. Tudo se questiona em função de sucessivas razões ou interesses sectários, que se desagregam uns aos outros. O mundo parece desconhecer a seriedade da figura do conflito de interesses ou conflito de direitos. Se é verdade que se trabalha em loop, também se aproveita para pensar nos tempos livres em loop. Paraste cinco minutos para despejar a areia do gato, lavar a caixa e ir lá em baixo deitar o lixo no contentor. Afinal era preciso desfazeres-te mesmo da areia, dado o cheiro não permitir continuasses a escrever. Regressando. É essencial manter a cabeça ocupada com tarefas manuais ou mecânicas para bem da saúde mental. É preciso haver uma certa harmonia criada pelo esforço de cada um no seu próprio mundo para encontrar sentido na vida. Parecerá isto uma balela moralista? Seja.
Mas onde estaria o desaconselhável? Nisto: na admissão de momentos psicóticos no passado associados a cenários de guerra. Não tens hipótese de sofrer de traumas de guerra, visto teres saído ainda bebé do país onde nasceste à época em combate. Mas em dois momentos impactantes da tua vida, com noites mal dormidas e sugestionada por acontecimentos fortes como o 11 de Setembro, provaste a sensação psicológica de modo muito realista de mergulho num cenário de guerra. Uma vez no próprio 11 de Setembro, quando te viste sombreada pela barriga de um bombardeiro nas Devesas. Depois, anos mais tarde, quando caminhaste ao amanhecer pela Avenida da Boavista, por segundos apinhada de carros de transporte de militares e ambulâncias do exército. Imagens realistas a animarem (não gostas de dramatizar usando a palavra atormentar) uma alma mal dormida. Foram dois momentos fugazes que marcaram. Como vês isto à distância? De forma muito próxima da que vias à época: por favor, dêem-me uma pastilha e tirem-me deste filme, sei perfeitamente não estar bem. Assim pensavas de modo difuso à época e assim pensas de forma mais pragmática hoje, bem longe desses momentos visuais fortes e fugazes do passado. Hoje tudo se passa apenas no plano das ideias, estando até ver o plano sensorial sob controlo. À distância há talvez a diferença de colocares a hipótese remota de nisto haver uma espécie de premonição. Ou seja, compreendendo o factor sugestão ou excesso de sensibilidade e a raiz na doença, não escamoteias a hipótese de haver uma explicação extra-sensorial para essa tal sensibilidade especial ao tema guerra. Mas não a sabes justificar.
E agora os lados. Como é sabido quando há guerra ou na antecâmara da dita, é necessário definir posições. Como és pueril vais recorrer novamente à imagem dos jogos de infância, quando não aceitavas que houvesse quem não se definisse, preferindo a neutralidade, que associas sempre às uvas americanas. Mas isto nada tem a ver com os Estados Unidos ou os seus habitantes. Apenas diz respeito à resposta que tanto te intrigou (não estás certa se à época te irritou) que duas outras crianças (mais velhas) te deram enquanto comiam descontraidamente uvas americanas no momento em que duas equipas se digladiavam: nós estamos neutros. A Suíça da ocasião. Depois de recuar à infância, retrocedes 30 e tal anos anos para voltares a lembrar que na tua adolescência dos anos 80 não tinhas a menor paciência para comunistas e o seu oportunismo e aproveitas para dar uma pincelada no cômputo geral dos últimos 50 anos para dizer que não comungavas da mentalidade de esquerda preponderante em Portugal. E por fim recuas apenas um par de anos para contares que disseste a alguém muito próximo que entre a extrema-esquerda e a extrema-direita tendias, apesar de tudo, para a aceitar melhor a primeira. Vais agora tentar contextualizar e explicar que daqui não advém nenhuma complacência com regimes autoritários, anti-democráticos e desrespeitadores dos direitos humanos, mas antes uma postura pragmática de busca de equilíbrio, de quem reconhece à esquerda um papel de contrapeso dentro de Portugal num futuro próximo que se prevê tender para a direita e a extrema-direita – poderás é estar a enfermar do erro de aceitá-lo cedo demais legitimando agora um peso ainda excessivo e não um verdadeiro contrapeso.
Como vais desenvencilhar este nó que até hoje não desenleaste é um mistério para deixar para próximos postais, cujo teor desconheces tanto quanto desconhecias as linhas precedentes. O que estás a tentar fazer é pensar em voz alta e em público para ver se te entendes a ti própria e ao mundo. Quem se predispuser a ler terá que ter muita paciência e uma coisa é certa: não encontrará referências múltiplas a obras e autores consagrados – quanto mais não seja por os desconheceres -, não verá definições de conceitos de ciência política, nem se deparará com elencos históricos. Para isso existe gente que estuda e sabe, é uma questão de os ler. Nas Comezinhas há sim sensações, com a particularidade de pontualmente poderem ser representativas da forma de sentir a realidade do comum mortal, tão só - há quem lhe chame ignorância.
Agora são horas de dormir sob pena de amanhã não teres rendimento normal no trabalho, que é o que te dá o sustento, logo o primordial. Escreverás o resto amanhã ou nos próximos dias. Esperas conseguir chegar a alguma conclusão.
(há-de continuar)
Vou dormir um pouco para ver se consigo escrever um post daqui a duas horas. Mas pode acontecer acordar já de madrugada ou amanhã de manhã. A vida é incerta.
(não resisti.)
Brincadeiras do excel.
Quase 1.000 dias depois o meu irmão F. voltou a avisar que farei brevemente mais um número redondo: 18.000 dias de existência. Nah, desta vez não vou falar de desperdício. A vida foi o que foi. É aceitar e continuar a caminhada contente por cá estar.
P.S.: mortinha por fazer dois posts, um sobre esta permanente ante-estreia informativa da terceira guerra mundial, outro sobre o que não devo escrever.
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