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É isso mesmo. Podes consultar no google que não encontras essa expressão. E tu insistes em usar expressões e palavras que ninguém usa. Insisto. Ainda que sejas alvo de chacota? Ainda. Ainda que esteja em absoluto desuso ou ninguém tenha ouvido? Ainda. Porquê? Por isso mesmo e porque me apetece. É por isso. Já agora podias ter usado travessões. Podia, mas não me apetece. Ou itálicos, sei lá. Sim, ou metálicos. Até amanhã. Boa noite.
Uma coisa são as palavras de encorajamento e respeito por gente que está a trabalhar e a tentar fazer o seu melhor, outra muito diferente é a defesa do respeitinho que tenta proibir a exposição de incoerências, por facciosismo e defesa cega de personalidades ou ideias, ainda que seja patente que o discurso não bate certo com os factos. E ainda que possam ter consequências graves.
Percebe-se o quão errado é esse respeitinho por ser unidireccional.
Ergui mais cedo. Dia produtivo com computador e o wireless a colaborar. Tudo afinado. Saída rápida ao supermercado. E, no fim do dia, a tosquia ao pianista da casa. Tomei-lhe o gosto: estou apta a candidatar-me a uma barbearia quando reabrirem. Posso imaginar a cara e os comentários dos barbeiros daqui a dois ou três meses (e não quero discutir as previsões estatísticas da coisa) quando começarem a receber as vítimas dos amadores da tesoura.
Vamos até Campo Maior?
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Vejo a inveja, o desprezo e a estupidez florescerem a olhos vistos pelos espaços cibernéticos. Sempre houve gente assim, mas quanto mais medo inconsciente têm, mais disparam em todos os sentidos. Trepam pelas paredes e consomem o juízo a quem com eles convive. Dissimulados e agressivos, os mais letrados escudam-se atrás de argumentação lógica e aparentemente válida. Sucede que a esta lógica falta a bondade de quem pensa tentando conhecer as causas das coisas e todos os conflitos de interesse, na ambição de encontrar o ponto de equilíbrio, o bem (maior) comum.
Mas disso nada sabe a gente que descobre a pólvora todos os dias, a todo o momento. E que se considera visionária: pronta a fazer chegar a luz aos ignorantes que aproveita para destratar por pura recreação. Gente muito contente consigo própria. O veneno dos nossos dias.
É gente capaz de tudo, incluindo atraiçoar a quem acabou de lamber as botas.
Desembarque no Mindelo.
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Lá está. A referência oitocentista de ontem não era descabida (o vagar é engenhoso e as associações são livres, ainda): cento e oitenta e oito anos depois, eis o novo cerco.
Acho significativo que neste ambiente e a este propósito se destaquem nas redes sociais comentários que começam por 'kkk' (risos).
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Todos temem o carácter imprevisível da natureza. Mas esquecem-se – de tão anestesiados andam com as ciências sociais – que o mais imprevisível de todos os elementos da natureza é o ser humano.
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Em certos dias revivo o século passado. Na verdade, tenho a impressão de ainda não ter despegado da época oitocentista e festejado a chegada ao século seguinte. Rio e digo que sou muito mais velha do que as gerações que me precedem e, por isso, continuo a varrer a casa com vassoura e a achar as mopas um atentado de desperdício.
Não há como ignorar. Nem quero. Cresci e amadureci (não muito, vá) a prezar os relatos, as paisagens e as gentes d’outros tempos. Estimo-os tanto quanto os contemporâneos com quem convivo. Alguns parecem-me, aliás, mais próximos. Sento-os comigo na sala e conversamos. Educam-me, resmungam e riem comigo. Até que os levo à porta, porque se faz tarde e tenho o presente alheio para viver ou o jantar para fazer.
Noutros dias recordo como comungava da modernidade acelerada e sofisticada. E como era empenhada e convencida das razões e convicções sem querer saber se eram as minhas. Às vezes, estas são as recordações do agora, deste instante. O curioso mundo surge-me ao contrário. Faço história do presente (ou do futuro, mas não vou complicar já) e vivo e sinto no passado (ou no futuro).
Diz o pedagogo que devemos aprender com o passado - com a história -, e tirar lições para o presente. Mas como? Faria sentido se presente e passado não se invertessem como me acontece de facto. Preciso sim de aprender com o presente. Mas não com um qualquer.
Componho as ideias no tempo que quero e não no que me é dado. Para seguir a corrente do rio está pronta a multidão. Sou como o peixe que sobe o rio para desovar. Sufoco claustrofóbica presa no tempo alheio, esse presente alienado e desaustinado que não escolho.
Nem sequer quero o amanhã que acalentei a sonhar e me fez suspender a vida inteira no presente que rejeitei. Não quero saber do presente ou futuro alheio, que não sabe o que quer da vida, nem de si nem dos outros.
E há dias em que recordo ou vivo o futuro, conforme o desejo se concretizou ou não. Como num passe de mágica faço o truque dos idiotas felizes, e fundo-me no amanhã como se ficasse todo ao meu alcance e parte dele bastante vivido e até sofrido.
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Não posso
ser quem quero
sequer saber
quem sou
e no que
creio.
Não digo
nem quero dizer:
é impulso
e aperto.
Consome
o dito
sentido,
por arames
preso
no pensamento,
corre solto
mas não livre.
A cura
há-de vir
esquecer
e refrear
o sentido
não dito;
escrito.
Era o passado dia sete de Março. No dia anterior tínhamos estado na Meet Vincent van Gogh. Comoção total para mim. Daquelas que embarga a garganta ou, no caso, os dedos, por isso nem vale a pena adiantar mais nada. Depois, nessa manhã afortunada, passámos na Gulbenkian para ver a colecção do fundador e a moderna.
Almoçamos e partimos os dois para a margem sul. A minha mãe pôs-se a caminho da baixa e do Martinho da Arcada para matar saudades do tempo em que viveu em Lisboa. Há mais de cinquenta anos. Nós apanhámos trânsito. Muito.
Foram poucos os minutos para quebrar o gelo ao som da sanfona brasileira antes de atravessar a ponte em Uber nordestino, com motorista violeiro. E vieram à baila, cada um por sua vez, com o cicerone a procurar na sua colecção: Marcus Viana, Alceu Valença, Ivan Lins, Sérgio Reis, Luís Gonzaga e Gonzaguinha, Elba Ramalho, Almir Sater. E com ele entrámos em Almada ao som de Tocando em Frente, cantarolada a três vozes, quatro se contarmos com a voz saída das colunas.
À saída do carro, trocas de cumprimentos e galhardetes e um inesperado: foi um prazer inenarrável, com sotaque nordestino. Ah, gente boa. O gosto foi todo nosso.
Na outra banda, casa de alentejanos. Café. Guaraná e torresmos com pão. Memórias antigas várias de sucuris e coral. Tatu, beija-flor, gambá e bem-te-vi. Modinhas alentejanas na guitarra fanada de uma corda, que o dono dos acordes e filho da casa há muito abalou para o Porto: Meu lírio roxo do campo, Era o vinho, Abalei do Alentejo. E alguns fadinhos: O Embuçado e Guitarra toca baixinho. Risos, sorrisos, avós, pai e filha. E um até ao meu regresso.
Escolha do Vicente.
Escolha da Margarida.
Estou a precisar de um jarro de água. Vamos a Monsaraz?
Um empresário habituado a lidar com números astronómicos, debaixo de uma ramada dentro de um parque industrial, a abrir uma lancheira. Almoça enquanto faz contas aflitas à vida.
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Uma reformada limpa as janelas de casa, tentando não olhar muito para a rua, para a liberdade que perdeu.
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Uma mulher em teletrabalho arranja-se, põe o anel e o relógio antes de ligar o computador, sente o sol e o silêncio entrar em casa e faz de conta que tudo é normal.
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Um punhado de operários das obras esperam, em semicírculo e respeitosa distância, à porta da padaria para tomar um café.
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Um muito jovem e uma muito jovem caixas do supermercado trocam sorrisos e gracinhas enquanto atendem delicados e atenciosos os clientes que chegam assustados.
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Mais um bebé nasce numa notícia de jornal. Filho de mãe infectada, mas saudável.
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