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Espaço e tempo para dizer o menos possível. Ou talvez não. Sempre haverá o que dizer.
Ainda que virtualmente, do terraço do Hotel Continental ou da janela do Hotel Presidente, desejamos a maior das sortes aos nossos amigos angolanos. Estamos felizes.
Vinha pelo caminho no autocarro a ver os sites de meteorologia e a cismar: então está sol no São João? Onde está a morrinha? Os sábios das previsões só indicam céu aberto. Mas como? São João que é São João é com morrinha.
Cheguei ao escritório, procurei o mar e percebi que se escondeu. Sosseguei.
Sei que isto vai levantar durante o dia, mas tenho esperança que à noite virá de novo para me dar a certeza que tudo é como sempre foi. Bom dia.
Nenhuma simpatia me anima na figura de André Ventura e no Chega, mas não posso deixar de ver a sua existência e quiçá o crescimento como uma espécie de desforra da agenda dominante da elite política nacional e da comunicação social. Dos quarenta e seis anos de discurso benevolente com o marxismo-leninismo do Partido Comunista e vinte anos de apoio descarado ao ideário marxista-trotskista do Bloco de Esquerda.
Nas últimas décadas raramente o discurso preponderante nos jornais e na intelectualidade pôs em causa o extremismo ou radicalismo destes partidos. O facto do PCP recusar sistematicamente a demarcar-se dos regimes opressivos da Coreia do Norte, de Cuba ou da Venezuela foi visto como faits divers para preencher espaços humorísticos ou de curiosidades dos jornais. Nem o acesso privilegiado - o lobby - de militantes e simpatizantes do PCP a lugares e cargos na função pública alguma vez foi escrutinado. Pelo contrário, era promovido e amiúde elogiado, sobretudo nos meios culturais. Vícios que o Bloco de Esquerda também aprendeu a enfermar ou a matriz não estivesse tão próxima, apesar das pirraças e derivações ideológicas. Realidades nunca expostas na prosa dominante da comunicação social. A mesma que também não consegue perceber e denunciar a leviandade com que o Bloco de Esquerda aborda a economia, desprezando os seus principais agentes – trabalhadores, empresários e empresas – reduzindo-a à figura paternal do Estado Providência que amealha e distribui rendimento - dinheiro, essa massa abstracta e etérea que ora nasce na árvore das patacas ora tem origem na malvadez de medonhos capitalistas – e dos cidadãos beneficiários de protecção.
Ainda bem que esta afinidade - da comunicação social e dos meios intelectuais e académicos com voz no País -, aos partidos mais à esquerda tornou a coabitação em democracia possível. Distanciou-os da imagem original de radicais esquerdistas, elevando-os à categoria de partidos do sistema, até ao ponto de, em 2015, passarem a fazer parte da solução governativa – com um pé dentro e outro fora, no melhor dos mundos.
Agora não estrebuchem quando da outra ponta do arco político aparece um partido radical de direita. É a vida. Para uma acção há sempre uma reacção. E o Chega, mais do que uma manifestação tardia da onda das novas direitas radicais europeias, é uma reacção ao desequilíbrio existente no País há quarenta e seis anos, que (apenas) se tornou evidente em 2015.
Os últimos cinco anos impuseram uma mudança. A partir do momento em que a esquerda radical deixou de apenas pesar na sociedade civil, passando a ter peso na acção legislativa e nas decisões governativas, impondo uma agenda identitária e de maior centralização dos poderes do estado, deixou de ser possível à direita fazer de conta que não via, como fez nas últimas décadas.
Mesmo os jornais conotados com a direita – e não me venham com a treta que não existe esquerda ou direita ou que é esta é uma visão redutora, porque se há coisa que os últimos meses têm mostrado à saciedade é que a dicotomia não é uma abstracção e que o excesso de preciosismo terminológico e semântico tem como efeito útil único não se dizer o essencial e o inteligível para a maioria das pessoas – como, no passado, n' O Independente entretiveram-se sempre mais a destruir a direita do que a denunciar os vícios da esquerda. Uma espécie de temor reverencial às conquistas de Abril e o medo de ser rotulado de salazarista ou fascista fez com que muitos seres pensantes do burgo fechassem os olhos ao laxismo, à incompetência e a amiguismo socialista, ao mesmo tempo que não perdoavam qualquer demonstração de falta de estofo intelectual e ou de etiqueta a Cavaco Silva. Nem, claro, de qualquer erro na acção governativa. Tivéssemos nós uma imprensa com o mesmo vigor e rigor ao questionar a acção dos governos socialistas e das iniciativas dos partidos mais à esquerda e estaria bastante mais sossegada.
Não questiono a necessidade de investigação de todo o acto governativo, das suas razões e das suas consequências. Este escrutínio faz parte dos alicerces da nossa democracia. É sempre saudável ver uma comunicação social atenta à corrupção, aos erros e incongruências na governação. O que não posso aceitar nem justificar é que essa especial atenção seja muito mais branda e cúmplice quando vai na direcção dos partidos mais à esquerda, que haja maior pudor quando os visados são socialistas, comunistas e bloquistas (e queridos animalistas, claro).
Por tudo isto não deixa de ser com ironia que leio a doce entrevista sobre o Chega a Riccardo Marchi, publicada no Observador. Uma entrevista na qual o autor demarca o partido da velha direita radical ideológica – dos fantasmas do fascismo e do nacionalismo - e na qual refuta quase todas as críticas pesadas que são feitas ao Chega. Mas, sobretudo, em que define o novo partido como um partido reformista e perfeitamente enquadrável no regime democrático. Nem por encomenda André Ventura podia pedir mais. Os ventos, por agora, sopram favoráveis. Imagino quanto espuma a esquerda ao ler uma entrevista assim.
Seria bom que no PSD lessem a dita entrevista e começassem a dar corda aos sapatos, que se faz tarde. Digo isto com a maior das franquezas, até porque gostaria muito de ter razões para votar no PSD nas próximas eleições legislativas.
Vamos a Salou?
A reler por estes dias. No primeiro alguma dificuldade a entrar na linguagem, mais do que nas ideias (sempre nobres e clarividentes). No segundo a curiosidade de constatar o apagão geral na memória, depois de há treze anos ler lido (creio que não terminei) e anotado esta mesma edição de letra miúda da Europa-América. A pouca recordação que sobrou da narrativa é pobre e mais antiga, das versões juvenis.
Fica agendada a compra em Setembro, na próxima Feira do Livro, de edições mais cuidadas da Ilíada e da Odisseia. Até porque a idade já não ajuda e, depois de uma vida de forte miopia, começam os primeiros sinais da popular vista cansada.
E como o peixe em casa da mãe não puxa caroça, há que convidar o pai para lanchar cá em casa.
Ponte Vecchio, sobre o rio Arno - Florença, Maio de 2009.
A prevenir a hipótese de na próxima terça-feira ao jantar faltarem sardinhas, mimo de Sábado em casa da mãe, que até o cheiro odeia.
Gostei de ler Não tem uma estátua, mas quem sabe se não terá!, da /i., no Perspectivas & Olhares na planície.
Já passou mês e meio sobre o anúncio de Rui Pinto ter saído da prisão (para prisão domiciliária) por aceitar revelar as passwords dos discos encriptados e já passaram vinte dias sobre o anúncio pela Polícia Judiciária de Rui Pinto já ter ajudado a desencriptar. E nada de zum-zuns? Nem um escândalo daqueles que põe o País inteiro a dizer: é uma vergonha. Como se tratasse de uma novidade. Como se fosse facto desconhecido. E todo o amigo do peito do visado a manifestar o maior dos espantos antes de se pôr a milhas? Nada? Só indecorosas celebrações pela final da Champions ser em Portugal e o escamotear do recrudescimento da Covid-19?
Tem interesse perceber a história recente do Banco de Fomento, no Observador. Posso estar a tresler nas entrelinhas, mas contra a aparência das intenções o que retiro deste artigo, até que se demonstre que a garantia de crédito é operacional e directa, é que tudo continua inquinado e que o apoio imediato e eficaz às pequenas e médias empresas não é a prioridade desta entidade. Daqui concluo apenas pelo propósito de persecução de políticas públicas - cuja praticidade fica sempre por demonstrar - à custa do generoso financiamento europeu.
«"No início, quando esta questão começou a ser abordada, Finanças e Economia partiram de modelos quase antagónicos. As Finanças tinham por principal objetivo que os fundos estruturais tivessem uma única porta de entrada que fosse controlada e, de preferência tutelada, pelo próprio Terreiro do Paço. (…) Por outras palavras, o Ministério da Economia queria um Banco de Fomento para as PME e o Ministério das Finanças queria mais fundos para o Orçamento de Estado. Modelos obviamente antagónicos. Por isso, após meses e meses de discussão, estava tudo a postos para o caso de os Ministérios não conseguirem chegar a um acordo sobre esta matéria”.»
[...]
«O modelo inicial previsto não passou na Comissão Europeia, que só autorizou a primeira fase da IFD em outubro de 2014. O grande problema para a DGCom (direção-geral da concorrência europeia) em 2013 e 2014 eram as ajudas de Estado e a preocupação de que Portugal pudesse usar este banco para financiar empresas zombies, sem viabilidade económica. Também havia o receio de que o Banco de Fomento fosse usado para comprar dívida pública, como aconteceu com os bancos privados, numa altura em que Portugal tinha um acesso condicionado ao financiamento em mercado.
A DGCom limitou o Banco de Fomento a usar empréstimos de instituições como o BEI (Banco Europeu de Investimentos) para repassar esse crédito para as empresas, e tudo tinha de ser tudo autorizado pela Comissão Europeia. Estes entraves limitaram quase à nascença a ambição do projeto, o que se percebe no próprio nome. De Banco de Fomento passou a Instituição Financeira de Desenvolvimento (IFD), uma entidade que não se podia financiar nos mercados nem emitir dívida. Portanto, não era um banco.»
[...]
»Governo garante agora que a missão “não é a de substituição dos mecanismos de mercado, os quais são a base da intervenção dos bancos comerciais, mas de suporte às empresas e projetos de forte conteúdo inovador e com vocação para os mercados globais, através de uma capacidade acrescida de garantir crédito, de conferir maturidade ao crédito bancário e de participar em operações sindicadas”.
O banco de Siza Vieira pretende ser muito mais do que o banco preconizado por Álvaro Santos Pereira, já que se propõe “apoiar operações de consolidação e crescimento empresarial, projetos mobilizadores de transformação estrutural da base produtiva, setores económicos e empresas fortemente expostos à concorrência internacional de conteúdo estratégico para o desenvolvimento económico nacional. É claro que agora também vão disponíveis muito mais recursos financeiros europeus para executar as missões previstas.»
Diz a superstição que cocó de pássaro traz sorte. Gostava que os pássaros não me presenteassem com tanta sorte. Ontem, pela sexta vez na vida, fui atingida por caca de pequenas aves. É certo que sempre andei muito a pé e quem anda à chuva molha-se, mas caramba, já paravam. Começou na década de oitenta à porta da Loja dos TLP, no tempo em que se podia fazer uma chamada em lojas cheias de cabinas telefónicas. Foi na Praça da Liberdade. Na Praça, como tão só se diz no Porto, junto às árvores que desde sempre conheço naquele passeio onde ainda fervilhavam as rivais confeitarias Arcádia e a Ateneia. Essa foi a primeira vez e acertaram na cabeça. Seguiu-se outra no Verão de 1990, quando me sentava no Green Park, em Londres junto a Buckingham, e me preparava para almoçar. Castigada na manga da blusa branca, e face ao nojo que demonstrei, logo as inglesas divertidas zombaram e sugeriram que usasse a casa de banho da rainha. A terceira vez, que aconteceu nos primeiros anos do novo milénio, teve a original particularidade de ir contra as probabilidades. Na Rua Guerra Junqueiro, ia a fumar dentro de um carro no lugar do morto. Coloquei a mão de fora para dar aquele toque com o indicador para a cinza cair no chão (sim, cometia esses crimes) e tau, naquela fracção de segundo levo com a porcaria de pássaro nas costas da mão direita. Um par de anos depois, na Avenida da Boavista, voltaram a acertar na cabeça, com a agravante de quando já estava a sonhar com o chuveiro, que é tudo quanto se deseja quando estas coisas acontecem, enfio a chave na porta do prédio e vejo o Sr. Abreu, do Círculo de Leitores, à minha espera para entregar mais um livro da História Militar de Portugal. Pensando bem, era escusado, porque até hoje pouco os consultei. A quinta vez foi também na cabeça, em Agosto de 2016, na Rotunda da Boavista. Tal como ontem perto de casa e com a vantagem de terem acertado nos velhos óculos de sol que recuperei depois de nos últimos anos ter deixado cair e espatifado dois pares bem mais bonitos. Valeu-me o velho e preterido par de óculos reaproveitado, pousado no cimo da cabeça.
Para que fique registado e claro que tenho razões válidas para me dedicar a pensar nestas coisas conto ainda que não só já fui atacada por um crow traiçoeiro em Laidlay na Austrália (lá vi chamar crows a uma infinidade de passarada), como fui seguida por um pardal no Porto. No primeiro caso, tinham-me avisado que não deixasse de usar chapéu no percurso rural que fazia a pé entre a casa onde estava e o centro da cidade, por causa dos conhecidos ataques a pretexto de protegerem os ninhos. Mas mesmo com chapéu levei com o vôo nas costas a pique e rente à orelha esquerda. Deu para o susto. O do Porto, já aqui contei, acompanhou-me por largos metros. E refiro ainda que na relva do Observatório Griffith, em Los Angeles (onde se costuma ir para a infalível fotografia com as letras de Hollywood em fundo), recordo outro banal pardal me fazer sentir perfeitamente em casa. Gostava de lá voltar e ver tudo quanto não vi.
Tudo isto poderia ser mentira, mas é verdade e são coisas de quem repara na bicharada por ter crescido no meio rural, habituada à passarada, aos ninhos, aos ovos, aos pássaros feridos, ao piar, às formas geométricas dançadas no céu pelos bandos. E de quem se lembra da alegria do avô materno, velho e doente, quando na Primavera seguinte via regressar ao terreiro da casa a boeirinha perneta do ano anterior. Sim, eles voltam, mesmo os pernetas.
Além de tudo, e correndo o risco de provocar estranheza e desconfiança em mentes esclarecidas e desconsideração pela falta de bom senso e inteligência de quem escreve estas linhas, já me aconteceu duas vezes ter sonhos com pássaros, que serviram de aviso para maus momentos vividos por pessoas próximas. Sei, soa a bruxaria. Mas que querem, isto deve andar tudo ligado. Não sei como, nem porquê. Soa estranho, mas o mundo caminha todo ligado.
Vamos a Saragoça?
Com esta paisagem, as manhãs de trabalho só podem começar bem. Bom dia.
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