Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Talvez não seja má ideia nestes tempos de afogadilho, de tentações e provações mesquinhas, de palavras e actos pouco edificantes, procurar dar o sentido correcto a toda essa pequenez, permitindo sentirmo-nos minúsculos grãos na engrenagem. Olhar a Lua Cheia costuma ajudar. Sei que está nublado e a sua magia não se vê senão na ténue claridade que transparece do breu em que parecemos todos embrulhados. Mas sabê-la lá no nascimento e na morte, no antes e depois de um amor, no permanente além humano, que transforma a razão e o sentimento coisa tão pouca e preciosa, é quanto baste para sobrevivermos em união com a natureza e não nos imaginarmos sós.
Aqui está a razão do silêncio nas últimas horas: apaixonei-me. E quando isso acontece fico a navegar no devaneio. Amarelinha, na zona onde há muito assinalei, com o maiúsculo AQUI, o mapa do Roteiro do Porto, edição 2001 da Porto Editora (sim, antes do vício do google maps e do google earth, tinha o dos mapas e roteiros). Até o descuido do mini quintal me agrada. E uma romãzeira com fruto, céus. Tem uns defeitozitos, vá. Mas não há casas perfeitas.
Sim, não só ouvi de viva voz no Jornal da Noite da SIC, como li hoje no Observador. Eis uma das propostas da Presidente da Câmara de Matosinhos, Luísa Salgueiro: georeferenciar infectados e partilhar essa informação. Acham normal e pacífico?
À infelicidade camuflada.
As palavras uma vez ditas ganham força própria. Quando caladas às vezes protegem-nos até de nós mesmos. Esta é uma lição que os homens parecem conhecer desde que o mundo é mundo e as mulheres têm dificuldade em acatar. Sim, é uma generalização e não faço a mais pequena ideia de que lado está o certo ou o bem, mas sei que as mulheres se poupariam a grandes dissabores se tivessem consciência do peso das palavras ditas e do valor dos silêncios. E se aprendessem a dosear umas e outros.
Uma branca magra não conseguiria este feito. Valha-nos ao menos que as tolices identitárias sirvam para alguma coisa. Parece que o Instagram vai rever as políticas sobre a nudez. O juízo às vezes escreve-se mesmo por linhas tortas. É a tal autocombustão do politicamente correcto.
Composição de Bob Dylan.
Não haverá ninguém que considere que o PSD e o Bloco de Esquerda estiveram bem ao anunciar o voto contra o Orçamento? Confirmo que a opinião pensante, no geral, aprecia criticar e perorar contra as medidas do Governo, mas não tirar conclusões das críticas e julgamentos que faz, muito menos assumir riscos. É o toca e foge do comentariado político. Pura gincana a pretexto de defender o bom senso e a estabilidade política. E os silêncios cúmplices do costume.
Tirando voltar ao trabalho presencial, nada de novo a Oeste: este é o meu estado normal. Especialmente, às segundas-feiras.
*
Nem era de abusar dos bonequinhos, mas depois de ler esta notícia fiquei preocupada e todos temos uma reputação a manter, digamos assim.
Será demasiada simplicidade, mas sinto que um dos grandes erros dos debates nos tempos modernos resulta da falsa sofisticação das ideias. Há tantos anos a ouvir e ler gente inteligente, culta e preparada na televisão, nos jornais e nos blogues (sei, a maioria está longe de ter estas qualidades, mas também há quem as tenha), e sobra sempre a mesma sensação: quão perniciosa pode ser a acumulação de gavetas de adquiridos inquestionáveis. Já ninguém se pergunta o essencial, já ninguém quer explicar o princípio e a causa das coisas, transformando discussões de ideias em círculos viciosos. Tantas vezes sobeja apenas a aparência e dela o erro. Camadas e camadas de respostas automáticas, tantas vezes articuladas de forma confusa - intencional e desnecessariamente complexa -, ancoradas no erro, por se ter presumido mal o que está verdadeiramente em causa numa concreta questão, sobretudo, por falta de adequação ao tempo presente e às circunstâncias que o moldam.
Quanta distância da realidade, céus. E o mais caricato é que nalguns casos a razão disto é uma menoridade ou infantilidade: puro medo de se revelarem inocentes, receio do ridículo. Articular em vácuo parece conferir uma sensação de superioridade, de amadurecimento. E é tão engraçado ver gente a perorar apinhada de certezas, umas vezes de modo a espantar os mui fortes tremores face à adversidade ou à surpresa, outras a pôr-se em bicos de pés ou pura e simplesmente a lutar por inconsequente vantagem retórica.
Entre o voluntarioso empolgado com a modernidade, desconhecedor dos princípios básicos que fundam e norteiam a civilização e o cansado conservador a quem sobra apenas o cinismo, a tudo respondendo com chavões seculares, venha o diabo e escolha. É preciso tirar o bafio às gavetas, enchê-las de saquinhos de lavanda: questionar em vez de doutrinar no cansaço. É tempo de refrear as entusiastas teorias de supostos vanguardistas. Mas ouvindo-os, aproveitando o que há de benigno no seu conhecimento – desde logo, reconhecendo que existe -, e educando-os, voltando à raiz de cada problema que se coloca, explicando os equívocos, as imprudências e as consequências nefastas que daí se adivinham.
Todos ganharíamos se a inteligência bem pensante com audiência fosse um pouco mais arrojada.
Ora, muito bem. Vamos a isto: este blogue tem andado desfalcado de matéria objectiva e é certo que dormi muito pouco na noite passada, além do que às vezes baralho milhões com milhar de milhões, mas gostava que me explicassem certos factos. Se é correcto dizer que o recurso massivo ao regime de layoff - a redução temporária do período normal de trabalho ou suspensão do contrato de trabalho por iniciativa da empresa, por determinado tempo -, e o desemprego têm impacto nas receitas e despesas da Segurança Social, convinha demonstrar com contas certas as conclusões tiradas aqui e aqui. Era útil demonstrar como é que o fundo as pensões entrará em ruptura dez anos antes do previsto há um ano, por causa da pandemia.
Talvez por ter vivido onze anos num concelho limítrofe do Minho (região de gente mais desconfiada não há) fico com a pulga atrás da orelha. Estarão a preparar medidas de financiamento alternativo através de mais aumentos de impostos? E uma pergunta muito ingénua: nenhum dos fundos europeus poderia ser canalizado para este efeito? Digo eu, que não percebendo nada disto, estou consciente de se tratar de números astronómicos e de fontes de receita a exigir continuidade no tempo. E depois de consultar números da despesa anual total da Segurança Social, publicados na Pordata e ainda as previsões para o próximo ano (30.743 milhões) fico com a consciência de que um eventual financiamento extraordinário da SS representaria uma gota de água no todo, mas ainda assim tenho vontade de confrontá-los com os tais 26 mil milhões do Fundo de Recuperação da União Europeia, e perguntar se conceber um plano sustentável de recuperação do País (palavras da burocracia europeia) não passará por ajudar a garantir uma SS financeiramente viável? E se não estaria na hora de aproveitar os tais montantes de recuperação provenientes da Europa para reforçar o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (aquele que está previsto para o caso de ruptura da SS e que entraria em défice dez anos antes do previsto) em troca de finalmente se fazer a tão falada e adiada reforma da SS, não só impondo limites máximos nas reformas, como também definindo com maior critério a atribuição dos apoios sociais.
Bem sei que estamos quase no pico da tempestade, mas é nestas alturas que se exigem decisões corajosas.
A semana de ronda pelos amigos - confirmei por telefone que cada um e os seus tiques respiram -, acabou ontem em família. A contabilidade dos pintainhos está feita.
Foi um dia cheio cá em casa. Almoço, tarde e jantar em família. Na mesa quatro ao almoço, três ao jantar. Mais duas visitas espontâneas durante a tarde. Poderia parecer nada para quem cresceu em dia-a-dia com números bastante mais generosos. Mas é tudo. Os tempos são outros e é uma alegria juntar seis entes queridos de três gerações em casa numa tarde de Sábado, nesde atípico e feio espírito de Outono. Encheu-se a sala - que estará sempre pronta a receber os nossos -, tal qual a alma.
Hoje é dia de retomar a vida normal.
Vale a pena abstrair dos quilos de laca.
A necropolítica da conveniência: uma crónica parcial, de Jaime Nogueira Pinto, no Observador.
(...)
«O que fizeram na Rússia, desde Lenine até Estaline e seus sucessores, em grande escala. Os números variam: Robert Conquest, autor de The Great Terror, põe o número de vítimas em 15 milhões; outros autores vão até aos 60 milhões, para todo o período de 1917-1987. De qualquer modo, é muito morto para passar despercebido num inventário necropolítico.»
«Mao Tsé-Tung procedeu também a execuções maciças de “contra-revolucionários”, seres menos clarividentes e de vistas mais curtas, dos quais deve ter executado uns dois milhões, logo no início da tomada de poder. Para realizar a reforma agrária, eliminou mais uns 50 milhões de renitentes agricultores. O Grande Salto em Frente e as fomes que causou – somadas aos horrores da Revolução Cultural, celebrada pelos esquerdistas europeus – devem ter elevado o número total de vítimas do maoismo aos 80 milhões de pessoas. O ensaio sobre a necropolítica também não dá por elas.»
«Outro importante genocídio comunista foi o praticado no Camboja pelos Khmers Vermelhos, apoiados por Mao e pelo Partido Comunista Chinês. Na segunda metade dos anos setenta, inspirados nos princípios igualitários da Revolução Cultural, os Khmers mataram entre milhão e meio e dois milhões de Cambojanos, cerca de ¼ da população, o maior genocídio em ratio mortos/habitantes. Os pormenores dos horrores cambojanos podem rivalizar com as piores narrativas dos campos de morte estalinistas e hitlerianos. Mas a narrativa necropolítica também os esquece.»
(...)
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.