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Creio que a morte de Marcelino da Mata e toda a polémica dos últimos dias sobre a sua vida, tem o condão de se estar a falar (em grande escala, em vez da surdina habitual) da guerra colonial numa dimensão que vai para lá das histórias da carochinha impostas pela narrativa simplista dominante. A que, nos últimos 47 anos, foi impingida sobre a bela e exemplar descolonização.
Se tudo correr bem, a sair do forno nos próximos dias qualquer coisa sobre argamassa, ímpetos, cínicos e superação.
Não se pode agradar a gregos e troianos.
Esta lesta visita ao Louvre é uma delícia por tudo, mas também pelos comentários de Leslie Mason. Sugiro que recordem (ou descubram) as telas mencionadas, para perceber o alcance das palavras de Venetia Mason.
A vida de Churchill e o Portinho a ganhar à Juventus por dois ao mesmo tempo. É demais para um coração só.
Adenda. Uff, 2-1.
A RTP 2 está a exibir uma série de documentários sobre a história de JFK, Martin Luther King, Churchill, João Paulo II, Irmã Emmanuelle e o Xá do Irão, através do olhar de pessoas próximas. No caso de Kennedy, do médico Max Jacobson. No caso de Churchill, da mulher Clementine. A série chama-se À Direita, Na Foto e é transmitida às 20h35.
Neste momento, decorre o episódio sobre Winston Churchill.
por Isabel Paulos, em 07.11.19
Tirando as caracterizações das personagens continuas sem enredo, mas pelo menos já vi a Ana Paula e o Tomás no curso de humanísticas, a Helena também, suponho, e o Carlos Alberto e o Oliveira contigo em ciências. Tudo a seu tempo, respondeu a Margarida, na verdade preocupada com a falta de habilidade para criar enredo. Confirmou ao cúmplice a existência de outros alunos do liceu na narrativa, o Luís, a Lara, os inseparáveis Alexandre e Sérgio e, ao elenco de personagens, juntavam-se as irmãs Soares, alunas do curso profissional, na área da contabilidade e gestão.
Duas raparigas distintas pela figura afilada da primogénita e miúda e frágil da mais nova, mas ambas de cabelo ondulado castanho, a Marta de olhos azuis, a Sofia de olhos chocolate. Pareciam inspirar-se nas artistas pop do momento para se vestirem. Ambas muito soltas e de andar descontraído. Filhas de casal videirinho e vivaço de retornados de Angola, de famílias oriundas de São João da Madeira, nasceram com diferença de um ano em Luanda, passando lá a primeira infância. A mãe era operadora de telefone, no tempo em que todas as ligações eram feitas através de terminais nos quais as várias telefonistas estabeleciam as ligações com fios e tomadas e, segundo os mais atentos, ouviam conversas. Devia ser verdade atento a exponencial volume de conhecimento demonstrado pela Elvira da vida pública e privada luandense. O pai e o tio donos de pequena loja de roupas confeccionadas por africanas, com tecidos de típicos motivos étnicos maioritariamente fabricados na metrópole, e exportados para as colónias. Mas também, em menor escala, tecidos em África. Viviam com conforto. As pequenas cresceram livres, passando os dias dos primeiros anos a saraquitar pela loja e no jardim de casa. Antes do agravar do conflito armado era usual vê-las brincar na rua, no alto dos quatro e cinco anos, vigiadas apenas por crianças pouco mais velhas, sob a protecção da Mamã Muxima. Ao fim de semana, iam até à Ilha ou, esporadicamente, a família e amigos faziam passeios conjuntos até ao Mussulo ou à Barra do Quanza. No período em que a capital angolana usufruía de rede de autocarros à semelhança das grandes cidades da metrópole, lá chamados de machimbombos e se podia viajar entre cidades, apesar da guerra, por estradas bem alcatroadas. Ou viajar de comboios, por caminhos-de-ferro como o que unia Luanda a Malange, passando por N’Dalatando. Mundo largo e livre o delas, virado do avesso em 1974 e 1975. O agudizar do conflito armado entre as forças portuguesas e as independentistas, apoiadas pelas duas superpotências internacionais, nesses anos turbulentos, culminou na decisão forçada de saída, com perda de tudo quando possuíam. A mãe emigrara no início dos anos cinquenta para Angola na companhia dos pais. Da metrópole tinha apenas imagem ténue de tenra infância e de duas vindas de quatro meses em visita, nos anos sessenta, para conhecer a família. E na última das quais conhecera o Adriano, seu futuro marido. Fora ela a contar-lhe os encantos e largueza de África. A sua terra era Luanda, e não São João da Madeira. Mas a vida é como é, em 1975, além de ser obrigada a sair da única terra que tinha como sua, ainda suportaria insultos por, na alegada qualidade de fascista-retornada, ter tentado refazer a vida na terra da família, candidatando-se ao posto de funcionária dos correios. Ficou no lugar um ano, sustentando a família, enquanto o marido tentava refazer-se do abalo psicológico. No ano seguinte convenceu o marido a mudarem-se para uma terra sem ligações de parentesco nem tantas invejas. Enfim, mais arejada. Fez duas candidaturas e conseguiu transferência para a estação de correios de Espinho. O marido abriria uma pequena confecção, e com a usual dedicação colocada nos negócios, viu-a crescer e a transformar-se em lucrativo negócio. As irmãs, chegadas a Espinho com oito e sete anos, estavam pela segunda vez a mudar de terra e de escola. Não parecia fazer grande mossa, face à facilidade como se integraram e fizeram amigos. Mas havia pormenores a causar tremenda confusão. A pronúncia rude dos colegas e amigos e a constante desconfiança como conversavam e brincavam. Faltava a doçura cantada do português falado em Angola e o desapego dos andarilhos. Não se tratava de desconfiarem delas, mas de desconfiarem de tudo e todos a toda a hora. África parecia ter dado a estas raparigas dose de confiança nos outros, que parecia ser bem escasso nesta terra estranha.
Assente a poeira e assim que puderam respirar de alívio quanto às aflições financeiras, a família tentou reestabelecer os laços e refazer o estilo de vida em África. Os passeios por Portugal aos fins-de-semana e as férias de campismo tornaram-se parte das suas vidas. A escolha de férias fora um acaso no segundo ano em Portugal e passou a ser imposição das miúdas, agora já na adolescência, e vontades próprias, invariavelmente, a quererem estar com os amigos. Ora, vários colegas passavam as férias nos parques de campismo junto das famílias. Assim, entre os antigos amigos de Luanda, um pouco espalhados pelo país, e os feitos em Espinho, as relações da família foram alargando e criando raízes.
Entre os assíduos do campismo estava a Lara, rapariga bonita, alta e magra, de feições largas quase grosseiras, cabelo sedoso e olhos verdes. E que, apesar de ter uma passada um tanto pesada, movia o corpo com graça. Nasceu em Trás-os-Montes, quando o pai Ângelo, aos vinte e dois anos, já desertara e, por causa da guerra colonial, emigrara para França, onde esteve oito anos. Ao regressar fez-se confundir com exiliado, como se a razão da deserção tivesse algum fundo político. Desertou porque legitimamente tinha medo de morrer. Não se cansava de dizer à namorada: tenho medo de morrer na terra dos pretos. Terra vista por gente sem mundo, como terra de selvagens. A única ideia de África retida era de pavor, depois de um parente regressado de cumprir o serviço militar em Angola gabar os feitos atrozes dos portugueses em vingança dos massacres infligidos sobre os colonos brancos em 1961. E emigrou por não ter perspectiva de sobrevivência financeira na aldeia onde nascera e vivera, apesar de ter aprendido a arte de serralharia numa pequena oficina do tio. Havia medo legítimo e pobreza efectiva, mas não havia subjacente motivação política nem discordância da política nacional. Marcelo Caetano, como antes Salazar, eram figuras a gerar indiferença ou até simpatia no seio da família. Para o grosso da população portuguesa doía a pobreza em que se vivia e a obrigatoriedade de combater no ultramar, e não tanto a falta de liberdade de expressão. À época, se tivessem questionado o Ângelo sobre a sugestão da palavra liberdade, falaria de tudo quando fosse diferente da vida dos pais, numa palavra: França. Mas não experimentava sentimento de revolta contra o sistema político do país, a não ser a sensação intemporal de descontentamento por não conseguir aceder à riqueza vista em poucos conterrâneos. E, naturalmente, o problema de ter de cumprir o serviço militar, desde que ultrapassado individualmente, não levantaria qualquer outra questão. Achava até louvável Portugal ser um império. O não querer combater, não era questão de convicção, não era objecção de consciência, sucedida não se achar talhado para ajudar em tão patriótico desígnio do regime, sem questionar que outros o fizessem. Tudo mudaria quando, desde França, tomou consciência da revolução ocorrida em Portugal. E de natural alheado da política nacional, passou a fervoroso antifascista. E Portugal a terra de esperança, regressando não há terra natal, uma aldeia próxima de Mirandela, mas a Espinho, por ter conhecido em França um casal de lá originário, apaixonado e promotor da praia e do mar. Na memória, para todo sempre, França foi o expoente máximo de país desenvolvido. Nunca conheceu outro país, senão a vizinha Espanha, por a atravessar a caminho de França, durante aqueles oito anos de trabalho duro enquanto ajudante de armador de ferro, e onde a mãe da Lara se juntara, para passar o dia a trabalhar numa engomadoria de hotel. Até aos seis anos a pequena Lara manteve-se em Portugal com os avós maternos, tendo vivido no regaço dos pais, em Bordéus, apenas entre 1973 e 1975, até decidirem vir viver para Espinho.
Anos mais tarde, já adolescente no liceu, a Lara manifestaria enorme necessidade de se afirmar pela diferença e exibi-la. Essa irreverência notava-se, desde logo, na forma de vestir. Trajava roupa arrojada, misturas da sua cabeça, inspirada nalgumas correntes alternativas. Achava piada aos punks e aos góticos, mas não aderia nem se fixava em nenhum, criando um look estranho e genuinamente seu. Quando a maioria dos colegas ouvia Xutos & Pontapés e Depeche Mode ou Madonna, ela vidrava com as músicas dos The Doors e ao mesmo tempo conseguia curtir sons do Marilyn Manson e de Edith Piaf. Se a maioria dos colegas ia ao Clube de Vídeo alugar os Salteadores da Arca Perdida e as Guerras das Estrelas, ou as pestíferas Academias de Polícia e os Rockys, ela tentava engrenar em filmes intragáveis de alguns realizadores portugueses ou no cinema francófono. E se muitos se viciavam no banal tabaco, ela não descansava enquanto não ia mais longe no critério do alternativo. Quando a oportunidade surgiu e pela mão do colega de turma e amigo Sérgio se deparou pela primeira vez com a barrinha cor-de-chocolate de haxixe, de imediato ajudou a desfazer pequena porção e a misturá-la no tabaco de enrolar, para partilharem o recém-concebido charro de culto da existência juvenil desta eterna miúda alucinada. Os efeitos de duas ou três passas no rolinho proporcionavam alterações de comportamento pouco distintas do normal cigarro, com agravante de poderem provocar, pelo uso continuado, transtornos a nível neurológico e cardiovascular, mas à Lara tais pormenores passavam ao lado. Ter a experiência ou aparência de estar fora de si, e sobretudo poder dizer aos outros ter gozado tal experiência, representava um marco na sua autonomia e independência. Dizia ser o seu grito de liberdade, e associava sempre o momento ao grito do Ipiranga, porque nesse mesmo dia, na sala de aula de história, retivera apenas que o príncipe regente do Brasil, gritara “independência ou morte” e assim se tornara em D. Pedro I, imperador do Brasil. Esqueceu-se de aprender ter sido a ousadia da liberdade, não a do Brasil mas a nossa, a custar-lhe o coração, por si mandado entregar ao Porto. Literalmente.
Mais tarde, enquanto adulta, confundiria abertura de espírito e deslumbre, fazendo questão de mostrar o quão mente aberta se achava. Useira e vezeira em acusar os outros de serem fechados e tacanhos, tal como a grande amiga Ana Paula, nunca reconheceu as virtudes da reserva e da discrição e, como ela, não distinguia abertura de espírito de exibicionismo nem reserva de tacanhez. Gostava de experimentar, de descobrir e não usava filtro no que trazia até ao seu mundo. Experimentar e expor as descobertas pareciam ser o lema da sua vida. Esponja, absorvia sem critério tudo quanto tivesse aparência apelativa ou marginal. Isso, naturalmente, enriquecia-a como pessoa, mas fazia soar os sinos da leviandade e da inconsistência. A paixão bateu à porta ao som de slot machines do casino de Espinho, onde o futuro marido era funcionário. Embevecida pelas centenas de histórias contadas pelo Rui, cobertas de vivacidade, sobre fortunas jogadas, ricaços faustosos, turistas generosos e enganos e desenganos matrimoniais, embalou num namoro transformado em longo casamento.
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A presunção titubeante de trazer algo de novo. Se não, mais valia tratares apenas da vida, do rame-rame, do almoço, do trabalho, do gato que há-de vir. Do que é simples. Mas não, tens a pretensão das pretensões. Tivesses a certeza de não trazer nada de válido e seria mais fácil: arrumarias simplesmente a trouxa e ignorarias a mesmice de insignificância a que assistes.
Afinas os ouvidos e olhos e vais observando o que é dito e escrito. Apesar da aparência de contestatária, concordas ou discordas quase sempre sem mexer uma palha: nem que sim, nem que não. Como milhões concordas ou discordas quase sempre em silêncio. Gostas ou detestas do que é dito ou escrito entre leves sorrisos e irritações mas sobretudo bocejos, porque tudo quanto sobra é a sensação do dito e escrito não servir para rigorosamente nada. Sucessões de palavras intrincadas em factos, ilações e opiniões da mesma mesmice, ancoradas em inegável conhecimento dos meandros das ideologias, lei, inclinações e ambições. Às vezes até da arte e das emoções. Ainda assim massa de sílabas quase sempre fria e asséptica feita da mesma mesmice. Tropeças há anos em casos nos quais é impossível passar da segunda ou terceira linha só pelo tédio que te dá a falta de verdade e humanidade. A falta de ser. Mãos que dedilham os teclados dos computadores totalmente alheados da natureza, embrenhados em conceitos sofisticados cujo processo de criação pressentes jamais conseguiram sentir, apesar de serem muito capazes de o esclarecer e esquadrinhar cabalmente com base noutras tantas noções que tomam por adquiridas e por isso jamais questionam. Milhentas gavetas cerebrais de ficções e especulações tidas por realidade.
Só pode ser defeito teu, que em tudo vês uma argamassa de palavras feitas de insignificância e artifício. E céus. Às vezes até concordas e gostas. Faltar-te-á abertura de espírito ou capacidade de espanto? Quando em Fevereiro do ano passado te queixavas da falta de espanto, a natureza já tinha cozinhado a covid para virar o mundo do avesso. Mas o certo é que volvido um ano continuas impávida, sem ser tocada pelo espanto. Ditará a sensatez que as linhas precedentes são um desaforo de quem brinca com o fogo? Determinará a excitação dos iludidos que foram escritas por inconsequente que não conhece o lado apaixonado da vida? Sobrará apenas a visão dos pragmáticos convencidos: se estudasse, lesse e trabalhasse mais e, sobretudo, se não se preocupasse tanto com a reacção, não seria tão estúpida?
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É muito difícil ao judeu errante, emigrante ou qualquer expatriado e ainda a quem tenha experiência própria ou próxima de viajante, fazer perceber como é obtuso aquele que não saindo do seu espaço, o considera centro único do universo. Não é que a emigração dê garantias de maior amplitude de compreensão do mundo, mas potencia-a. É evidente que havendo falta de inteligência e sensibilidade, o matarruano não passará a ser, por ter emigrado, homem com mundo. Mas é ainda mais difícil colocar no coração e cabeça de alguém que não vê além do seu curto quintal, genuína tolerância pela diferença.
Para lá da manipulação dos sentimentos nacionalistas e outras questões graves e sérias de guerras, disputas de território, recursos naturais e, lato sensu, hegemonia económica, que determinam em grande medida tudo quanto diga respeito ao cidadão estrangeiro, ao longo dos anos tenho reparado que entre os maiores intolerantes, para além do grosso da população que vai com a maré, estão os não declarados. Os que apesar de tantas vezes gritarem slogans e levantarem bandeiras da igualdade e da não discriminação, são muito ciosos do seu quintal e incapazes de estabelecerem laços cordiais com os estrangeiros ou, então, os que estando fora da sua pátria, não conseguem sã convivência nem impor respeito aos cidadãos do país de residência. Sei, parece forma muito leve de colocar a questão, mas o facto é que uns querem preservar o chão que consideram só seu, outros reagem à desconfiança ou animosidade com que são recebidos. Funciona em pleno a lei da disputa do poder.
Muitos pregam a igualdade e a não discriminação com paternalismo e desconhecimento tal das vivências dos visados, que se tornam mais ofensivos do que os intolerantes descarados. Como quase sempre a realidade não é a preto e branco e há intolerantes para todos os gostos, entre eles:
Há planos de ignorância. O da vivência, que reflecte o bronco que não respeita aquilo que considera diferente. E o intelectual, que presume que estudando e lendo, fica a saber o que é melhor ou pior para os homens e país. Sucede que não há garantia que isso aconteça. Por muitos manuais de vôo que leia, só mesmo com as asas fora da gaiola a ave saberá o que é a liberdade e deixará de desdenhar por inveja dos pássaros que vê voar.
Toledo, Novembro de 2005.
Desta vez acrescento apenas que não se pode ser duro só com o comum dos cidadãos e complacente com os titulares dos órgãos de soberania. O desnorte dos cidadãos vem sobretudo da lavagem cerebral a que foram sujeitos pelas mãos de especialistas, políticos e comunicação social. Nos momentos decisivos como o das eleições presidenciais a responsabilidade pelo consenso e unanimismo tonto e ondulante devia ter sido exposta, ao invés de ser considerada conveniente e fruto do bom senso. Tal como não se devia deixar destruir os princípios em que acredita na própria casa: física ou digital.
Da culpa e da Arte de enfraquecer o povo, no post de 2 de Novembro. Vá, aquela da 'vacina antes da quinta vaga' foi um pouco ao lado, talvez fosse melhor imunidade antes da quarta ou quinta vaga, ou coisa semelhante. Para não me repetir, coisa cansativa, copio.
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Queria que ele soubesse o além do visível e do que pode ser. Como se tivesse passado um par de anos e já pudesse haver o que contar, imaginava o que recordaria desses dias. De acordar de peito desfeito em milhões de pequenos estampidos, só ao ver-se com ele num tempo e lugar remoto. Os cenários e os dias volviam como páginas do livro velho e amarelecido que leu milhentas vezes e onde sempre encontra o que procura. O livro entre os livros. A história entre as histórias. O sorriso dele a olhá-la desfazia-a por dentro, roubava todas as forças, deixando-a ali pasmada de amor, sem energia para querer compreender nada. Por uma vez sem argumentar, entregue. As mãos e braços a envolvê-la e o calor e cheiro do corpo dele embrulhados na voz densa a soltar palavras. Ela inebriada não distinguia nem sílabas quanto mais o sentido. A cócega inteira e inelutável. A certeza de num ímpeto não conseguir resistir: reunir toda a vontade ao abraçá-lo com paixão e esconder-se nele para sempre.
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Não me importava de repetir o menu uma vez por mês.
Esta manhã, Dia dos Namorados, reunimos em assembleia de conversados para balanço. A conclusão unânime é da união ser francamente positiva. E a decisão de renovar verbalmente o contrato firmado com aperto de mão e beijo, com a especificidade da renovação contratual ser automática e trimestral, salvo denúncia por uma das partes por notificação com aviso prévio de 15 dias e reunião plenária à hora de jantar para conversa séria e conclusiva, sem direito à atenuante da televisão ligada.
Mais ficou definido e determinado que perante eventuais partilhas, o gato que dará entrada nesta casa nas próximas semanas será do Nuno, com direito e dever a visitas semanais e fins-de-semana quinzenais pela Isabel.
Já ontem tinha prestado atenção nesta notícia. Para além das boas intenções e necessidades válidas, é bom que se perceba a perigosidade de uma medida como esta. A primeira sensação que tive foi a de ser o princípio do fim, apesar de toda a racionalidade aparente na sua defesa.
Passará a estar na mão do Estado o poder de controlar aquilo que é acedido ou não pelos cidadãos que utilizam a internet?
Para além da questão de princípio, coloca-se a questão de quem financiará o quê. Não serão os cidadãos que pagam os serviços - e deixam de os poder usufruir plenamente -, que passam a suportá-los financeira e duplamente por via dos impostos e da subscrição?
E não se estará a incentivar a pirataria?
Ficam as questões.
Adenda. Se for feito paralelismo com a utilização das bandas de rádio no passado em tempo de guerra ou calamidade, sempre há a acrescentar e fazer notar que o meio físico onde a informação da internet se propaga é artificial e pago pelo cidadão.
O bom das paixões é que o tempo é sábio e implacável: prefere as leais. As demais definham enredadas no engano.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.