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«Ninguém vai perder dinheiro na sua pensão em 2024.»
A lata de António Costa é monumental e infinda. Alguém desminta novamente o Primeiro-Ministro, de modo a que a maioria dos portugueses, e não uma pequena franja, perceba as implicações futuras, porque no final de 2023, quando se definirem os valores das pensões para o ano seguinte, já ninguém se vai lembrar da manigância feita agora para diminuir os aumentos de 2023, base para os anos seguintes.
É preciso comprometer António Costa com a afirmação produzida hoje. Há alturas em que é preciso não largar o osso por respeito aos portugueses.
Hoje excepcionalmente recapitulo post de ontem.
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Acabo de ouvir António Costa apresentar as medidas de apoio às famílias no quadro de aumento da inflação registado no último meio ano. Como qualquer português, assim que o Primeiro-Ministro apresentou as medidas, fui fazendo as contas cá em casa, onde habita um casal no qual um elemento vive do rendimento de trabalho e outro de pensão. Deixo apenas três notas.
Parabéns à SIC Notícias pela forma como está tratar a questão das medidas de apoio às famílias, mostrando a realidade. Apesar do comentário de um dos iluminados do costume, que continua minar a demonstração da verdade. Complacência zero para a baralhação entre o medo do bicho papão do défice e a falta de honestidade na apresentação das medidas. Não ponho em causa a justeza dos valores envolvidos e a necessidade de prudência, mas a forma infame como o Governo e alguns ilustres comentadores tratam os portugueses como imbecis.
Como portuguesa fico agradecida a quem fez as reportagens sobre as medidas e a Ângela Silva e Paulo Baldaia pelos comentários.
De manhã IKEA, à tarde Feira do Livro. As férias seguem em ritmo acelerado apesar de preocupações não relatáveis. A ideia: não adiar programas para não estragar os dias futuros de descanso com a sensação de incumprimento. E abstrair da chuva. Muito se pode fazer em dias não soalheiros. Hoje até nem esteve mau.
A ida anual à Feira do Livro nos Jardins do Palácio foi anormalmente desordenada. Nestes dias costumo ser metódica e correr, uma a uma, quase todas as barracas das editoras e alfarrabistas. Hoje escolhi ver apenas quatro editoras e procurei as pechinchas nos alfarrabistas. Não levava grandes intenções e deixei-me ir pelo que acontecesse, pelos livros onde pousassem os meus olhos e lá permanecessem.
Trouxe dois ao acaso da Colecção Mil Folhas. Em rigor, não foi ao acaso. Foram dois que não possuo vistos nas mesas da Feira. E a ideia é ir completando aos poucos. Vai demorar muito tempo e ainda bem, nada melhor do que projectos a longo prazo. Já vi que me vou divertir com o da autora espanhola, nascida no Uruguai, o outro deve ficar para as Calendas Gregas, já que 600 páginas sobre um livro considerado obsceno dentro de outro livro não é empreitada fácil. Bom, 600 páginas do quer que seja é empreitada difícil para quem lê a passo de caracol.
Os dois de Nuno Júdice devem-se ao facto de ter começado a Feira na Poetria e acabado na Relógio d' Água. Conheço quase nada do autor e creio que vou gostar de entrar na sua poesia e conhecer a pincelada que faz da literatura portuguesa entre o século XIX e XX.
O Mercador de Veneza é a continuação da investida em Shakespeare. Comecei há dois anos com o Sonho de uma Noite de Verão.
O Bel-Ami, de Maupassant, é em honra da minha avó e creio que vou gostar. Era um dos seus autores favoritos, rivalizando nas leituras com Agatha Christie. Se me ponho a imitar a minha avó qualquer dia dou por mim a ler Proust, o que me vai soar muito estranho.
Claro que tudo isto vai demorar eternidades a ler, ficando alguns em pousio por anos e anos. A reforma, céus. Quero a reforma.
Vou ao IKEA três ou quatro vezes ao ano. Pontualmente faço outras compras, mas depois de regalar os olhos na loja limito-me aos guardanapos de papel e às pilhas - sei, é ridículo ir a uma loja grande para isto, porém a vida é feita de ridículas manias. Hoje além do usual trouxe uma jarra de vidro para flores, já que ao longo da vida me fui desfazendo das que tinha e fico na contingência de não ter onde colocar flores nas duas vezes ao ano em que as recebo. Além do que convinha ser objecto barato, já que o Ritz a primeira coisa que faz quando vê flores é deitar abaixo o copo ou a jarra.
Essenciais nesta casa são as pilhas e na última ida ao IKEA não tinha reparado que mudaram de produto. Agora vendem recarregáveis, assim como o carregador. Parece-me boa ideia. Aderi.
Já quase à saída deitei o olho ao cadeirão de orelhas novamente. Estava lá a tentar-me. Talvez no Natal me atire a ele. Ainda este fim-de-semana voltei a experimentar um e parece-me confortável.
Adenda. Fotografia de Jarra a pedido.
Era para ser mais uma mexerufada, batido de ideias, torta de bitaites, mas saiu o título de amálgama e vamos ver no que dá, que nada está planeado, quando muito alguns pensamentos afloraram na mioleira nos últimos dias e por nenhuma outra razão senão essa passarei a registá-los agora.
Começo talvez pelos sonhos da semana passada e em rigor neste exacto momento não me lembro deles, sei apenas que na altura pensei em escrevê-los aqui e não o fiz. Faço um esforço de memória e por isso os meus dedos páram de dedilhar. Dez segundos mais tarde, talvez nem tanto, descubro-os. Dez segundos pode ser uma eternidade quando estamos a conversar com alguém. A ideia que não sai, a palavra que esquecemos e o uso de outra ao lado que não traduz em rigor o que pensamos ou sentimos. A distorção do diálogo, os equívocos. Enfim, infinidade de pequeníssimos dramas da existência. Voltando aos sonhos da semana passada. Numa das noites foram muito simbólicos. Nas outras já nem me lembro o que sonhei. Os relevantes da tal noite dividiam-se em dois momentos. Aquele em que percorria a berma de estrada junto da qual se estendia um grande campo de milho. Caminhava e via-o em movimento. Sucede que o milho não estava nas espigas, mas numa espécie de pasta amarela, como se já tivesse sido moído mas continuasse com a cor exterior do grão, naquele belo dourado. As longas folhas e a haste da planta tinham agarrados pedaços de milho esmagado, meio húmido. E noutro momento segurando um ramo de pé só de folhas de japoneira me aproximava de outras árvores, como o castanheiro da Índia (que não o é) ou da magnólia, colocando-o junto às folhas dessas árvores e outras para ver se ligavam bem. Assim como quem escolhe duas peças de roupa e não quer que elas berrem muito entre si. Claro que fui ver as interpretações dos sonhos e são positivas. Longe de explicações bem mais reais e plausíveis como o facto de gostar de campos de milho e de em criança me tentarem incutir o gosto por arranjos florais. Arranjar jarras com folhagem e flores foi uma arte feminina em que me tentei esforçar em miúda com pouco sucesso mas muita alegria - um tempo que não volta. Também sonhei na semana passada, lembro agora, que tinha feito uma viagem de dois meses em trabalho a Luanda. O curioso dos meus sonhos em Angola, é que têm lugares e edifícios que só conheço desse mundo onírico. Uma praia com areia grossa que sempre surge quando a dormir atravesso o equador, mas parece uma qualquer praia do Norte de Portugal, e tem a curiosidade de por qualquer razão eu nunca chegar a entrar no mar. É muito distinta da Baía de Luanda, da Ilha ou do Mussulo, que conheci e onde nadei. O átrio do Hotel onde fiquei a dormir também é o mesmo de sempre e não é dos meus conhecimentos reais. Revisito-o em sonhos, apenas. As ruas são mais parecidas com as que vi e por onde andei, mas ainda assim acordo sempre com aquela sensação de ter estado num lugar irreal, só meu - é estranho haver sítios que não possam ser experimentados por outros, ou será que podem? Um dia, se tiver juízo, disciplina e persistência, tentarei em vão responder a esta questão nas Tílias. A parte cómica deste último sonho sobre Angola, é que a viagem de ida e volta - sim, trato destas coisas como se fosse o vaivém habitual a Lisboa - custou 300 euros, estando radiante por isso. A sovinice acompanha-me a dormir, registo.
Mais coisas? Continuo sem planos sobre as próximas linhas, se bem que mais uma vez já tinha qualquer reacção em mente quando há uns dias espreitei uns blogues. Alguém de quem li vários postais que me encantaram e a quem acho piada na escrita, aconselhava de modo muito franco e cuidadoso entre outros comportamentos: não descrever banalidades do dia-a-dia, ficcionar em vez de relatar a própria vida e procurar temas da actualidade que atraiam leitores. Vou por partes, dizendo o que penso sobre estes assuntos. Não escrever banalidades pode parecer um conselho avisado. Todos ficamos um pouco incomodados com as banalidades (às vezes, vulgaridades) do próximo e não é preciso avisar ninguém sobre o público que atraem, os autores sabem-no, mas sinto-me cada vez mais afastada da crítica ainda que bem intencionada ao kitsch. Contra todos os clichés se impuseram os contra-clichés de comportamento. Para dizer a verdade, se na primeira metade da vida me irritavam os clichés, na segunda aguento pior os contra-clichés, por se traduzirem na imposição de normas comportamentais que visam cercear a liberdade de movimentos dos outros. Além de mais, é começando pelas banalidades que se aprende a escrever sobre temas de maior envergadura. Quanto ao conselho de ficcionar, só comento que é preciso haver talento e não se pode exigir a todos. Agora o procurar temas quentes, aqui é que discordo com mais veemência. É um conselho muito disseminado e parece-me que só tem um sentido útil: arranjar clientela. Ora, por mais que seja evidente que quase todos escrevemos para ser lidos, vamos com calma. Nem todos desejamos resmas de leitores. Nem ter mais leitores é sinónimo, muito menos em exclusivo, de qualidade. Alguns satisfazem-se mesmo com poucos. Além do que é uma sensaboria correr 30 páginas e ver não só os menos temas tratados, mas ainda por cima as mesmíssimas opiniões expressas ou então pingues-pongues entre claques. A riqueza de espaços onde vivemos online está na diversidade. Haver gente que se afasta dos temas quentes só pode ser bom. Cabemos todos sem figurino pré-definido. Para lá de tudo, é uma questão de pensar um pouco sobre o que teria acontecido no passado se vários nomes maiores das artes tivessem decidido ficar tolhidos por conselhos benévolos e contraproducentes.
Por fim, deixo um balanço provisório de três meses de caixa de comentários aberta nas Comezinhas. A balança pesa francamente para o lado positivo. Uma coisa é certa: não era justo comentar noutros espaços não o permitindo aqui. Mantive-me assim durante quase três anos apenas por instinto de defesa, para não ser obrigada a responder a quem não me apetece aturar. A ideia nunca foi mostrar-me intocável, pelo contrário, sem peneiras, ao escrever em várias caixas de comentários, sempre me sujeitei ao que desse e viesse. Simplesmente, as regras de boa educação, e não de etiqueta, também explicam a reciprocidade. São pouquinhos, felizmente, e é com enorme gosto que vejo por cá gente na casa de quem deixei comentários ou leitores que já me acompanhavam há muito tempo e decidiram dar-me o gosto de deixar aqui uma palavra. Obrigada. E desculpem o longo comprimento de alguns postais, mas já sabem: gosto de me estender.
Acabo de ouvir António Costa apresentar as medidas de apoio às famílias no quadro de aumento da inflação registado no último meio ano. Como qualquer português, assim que o Primeiro-Ministro apresentou as medidas, fui fazendo as contas cá em casa, onde habita um casal no qual um elemento vive do rendimento de trabalho e outro de pensão. Deixo apenas três notas.
Um périplo através do mundo pelo olhar de Alexandre Farto, Vhils. Em exposição até amanhã no MATT, em Lisboa. Hoje, por ser o primeiro Domingo do mês, a entrada foi gratuita - boa surpresa, apesar da fila.
O “plano maquiavélico” do José Milhazes, no Observador.
[...]
«Daniel Oliveira publica no Expresso uma crónica com o título sugestivo “O cerco à Festa do “Avante” e ao PCP”.
E, imaginem, escreve ele: “ironicamente, a cruzada foi lançada há uns meses por José Milhazes, que, como militante do PCP, viveu na URSS, tendo descoberto a natureza do regime quando ele desmoronou. Por experiência própria sei que as pessoas mudam de opinião, mas nunca lidarei bem com o moralismo agressivo dos convertidos”.
Pois é, Daniel, mudei de ideias, mas dá exemplos de “moralismo agressivo dos convertidos”. Onde estão? Não posso criticar o PCP?
Escreves tu que “a posição dos comunistas sobre a Ucrânia nem sequer é um bom argumento para este paralelo. Qualquer pessoa informada sabe que o PCP não apoia o regime de Putin. É verdade que, por mais que diga que não apoia a invasão, não há um documento oficial ou uma declaração do secretário-geral – que vinculam o partido – que reconheça a invasão”.
Basta ler pacientemente o “Avante!” e ver o que escrevem pessoas influentes dentro do PCP para ver que isso não é verdade, a não ser que sejas um fiel apoiante da burocracia e só acredites em comunicados oficiais.
Há muito que o PCP tem sido uma das correias de transmissão da propaganda de Putin em Portugal. Aqui fica um exemplo: no dia em que Volodymir Zelensky discursou na Assembleia da República, Paula Santos, líder parlamentar do PCP, justificou a ausência dos comunistas dizendo que “esta é uma sessão concebida para dar palco à instigação da escalada da guerra”. E mais acrescentou: não alinhar “com a participação de alguém que personifica poder xenófobo e belicista”.
Será preciso publicar mais alguma coisa para compreender a verdadeira posição do PCP?
Tal como Daniel Oliveira, não compreendo as críticas que foram feitas ao PCP por não ter elogiado Mikhail Gorbatchov. Isso era mais do que expectável. Mas os comunistas podiam ter ficado calados. É muito fácil criticar líderes políticos que já estão afastados do poder e não podem enviar “ajuda internacionalista” aos partidos irmãos. Gostaria de ver os dirigentes comunistas portugueses falarem assim quando Gorbatchov dirigia o Partido Comunista da União Soviética e a própria URSS, quando eles recebiam “apoio financeiro para a actividade revolucionária”. Chamavam os nomes mais horríveis ao último dirigente soviético dentro das células do PCP à porta fechada, mas publicamente aplaudiam ou ficavam calados.
E já que decidiste falar de Gorbatchov, gostaria de precisar algumas impressões e mentiras que se difundem sobre o último líder soviético. Onde foste buscar essa tese de Gorbatchov “ter passado a vida a apoiar uma ditadura, trepar ao poder à boleia dessa ditadura e destruí-la por dentro para merecer elogio”? Ela é completamente falsa, pois, tal como o Daniel Oliveira, Gorbatchov tinha direito a mudar de ideias. Ou pensas como aqueles que afirmam que o derrube do comunismo era o seu sonho de criança?
Quanto ao legado, nos anos 90, ele já não exercia funções de Estado. É verdade que Gorbatchov falhou seriamente na realização das reformas económicas, sociais e políticas, pois pegou numa superpotência com pés de barro e irreformável no quadro de um sistema extremamente centralizado, burocrático, mas é injusto culpá-lo das políticas realizadas por Boris Ieltsin ou pelo actual ditador russo.
Escreve Daniel Oliveira que “o único legado de Gorbachev é o fim da URSS ou de qualquer coisa que lhe pudesse suceder”. Não te esqueceste de nada? E a libertação dos povos da “zona de influência soviética”?
E no campo do legado democrático para o futuro, também deixou muito: acabou com o sistema de partido único na URSS, não fechou as portas à liberdade de expressão, libertou os presos políticos, abriu a União Soviética ao mundo, pôs fim à guerra no Afeganistão, contribuiu para o fim de guerras civis em Angola, Moçambique, etc.
Claro que Gorbatchov cometeu erros, alguns deles tremendos, mas olhemos para as dimensões do país que governou e os obstáculos que se colocavam.»
Uma tarde inteira a não fazer nada senão matutar enquanto ouvia (e oiço) a smooth fm. Agora ao fim do dia, lembrei-me do post seguinte, que tem pouco mais do que três meses. Ainda não consegui resolver a questão da margem direita no copy/paste. Sei que dificulta um pouco a leitura, desculpem.
Adenda. Afinal já consegui e fi-lo através do método que usava nos primeiros blogues, há quase 20 anos, quer na edição de texto quer nas configurações da página: alterando a linguagem de dados (de marcação, como chamam os brasileiros, por tradução literal do inglês) HTML, da qual não percebo patavina. No caso, alterando os códigos de instrução, ou melhor, copiando-os de um post normal. Às tantas, há formas bem mais fáceis e inteligentes, mas estou-me marimbando, estou contente comigo.
*
Talvez tenhas exagerado nas recapitulações ao republicar várias de uma vez. Nem sequer foi uma seriação muito cuidada. Adiante. Desde ontem andas com ideia de escrever uma nebulosa sobre a dificuldade em dizer exactamente o que pensas. Há épocas em que o terreno parece estar minado. Custa-te menos expores a intimidade – e custa muitíssimo, apesar de poder parecer que o fazes de ânimo leve – do que declarares o que pensas verdadeiramente sobre o tempo presente e o que se avizinha ou pelo menos algumas ideias que te assaltam ocasionalmente. Se fizesses associações entre as desgraças actuais e passagens bíblicas serias de imediato rotulada de louca – como se estivesses a salvo, enfim. Se revelasses premonições logo serias etiquetada de cretina fora da realidade e do tempo. Se te permitisses expressar de modo claro a inviabilidade de um planeta com oito mil milhões de pessoas e a inevitabilidade de uma redução drástica na população mundial serias catalogada de uma assentada de louca, burra e, sobretudo, desumana. É difícil viver e tentar pensar em voz alta num tempo no qual em cada esquina está um piedoso e convicto cientista de trazer por casa pronto a dar ordem de excomunhão ao senso comum com o aplauso dos intelectuais da praça muito contentes com a liberdade que se respira à volta do seu umbigo.
Se tivesses arte e sabedoria suficiente para criar ficção digna de retratar o tempo presente, poderias escapar ao cativeiro. Mas não tens. Foge-te o pé para a realidade, por mais inverosímil que a tua visão possa parecer a olhos alheios. Além do que te falta arcaboiço de conhecimento acumulado para chegar aos vértices de cada questão. Por outro lado, sentir-te-ias ridícula e falsária pondo-te em bicos de pés, vivendo da aparência a debitar sapiência colada a cuspe como se fosses uma qualquer erudita – num tempo em que é cada vez mais fácil e há mais artifícios para dar o ar de que se sabe. Sabes pouco, além do que o senso comum e a atenção ao mundo te permite conhecer. E não podes deixar de frisar uma vez mais ideia tão repisada nas Comezinhas: o constante abafar e ridicularizar do senso comum em prol da doutrinação e da valorização da aparência gera o descambar do próprio bom senso em agressividade, ódio e violência.
O conhecimento da história da evolução da humanidade e da própria ciência não é incompatível, antes pelo contrário, com a valoração da força da Natureza no Universo. Reparas que é cada vez mais comum a ignorância e petulância na invocação da ciência e da erudição. Notas que a intolerância é cada vez mais aceite se tiver sinal positivo, isto é, se for proveniente de quem tem voz. E mais, cada vez mais confundida com Liberdade.
Já aqui comentei: não sou muito de catálogos, ou pelo menos não tenho consciência de ser, nem estruturei as minhas leituras e gosto pelo cinema e música. No que concerne à sétima arte a minha ignorância é enorme como, aliás, em quase todas as matérias. Há anos adio o retomar do hábito de ver filmes e, sobretudo, a intenção de vistoriar os clássicos. Os meus filmes, ou filmes da minha vida, como é uso dizer, não o são por serem grandes obras de arte, mas por de uma forma ou outra me tocarem. Se tivesse de escolher um filme pelo primeiro critério talvez fosse o Asas do Desejo, de Peter Handke e Wim Wenders, de 1987, primeiro grande filme que vi e me impressionou, aos 15 anos. Porém, o facto é que me deixaram mais marcas os mui fora de moda e politicamente incorrectos western spaghetti do Trinitá, o cowboy insolente, que vi em criança. Ainda hoje tenho na mioleira o divertido assobio mesclado no bater no chão da frigideira. Além de tudo, há sempre aquela margem de dúvida: será que os filmes que mencionar neste texto serão mesmo os da minha vida, ou haverá outros que, neste momento, me escapam. A Vida é Bela, de Roberto Benigni, será um deles. Para quem diz não ser muito fã de italianos este começo de post vai um tanto contraditório. Claro que faria muito melhor figura se nomeasse obras de Luchino Visconti e Federico Fellini, mas além de mentir, estaria a pôr-me em bicos de pés. O que seria, pura e simplesmente, uma estupidez.
O segundo critério. O sentimento. Entre as três películas eleitas, uma foi premiada com vários óscares, sendo filme do ano, outra obteve o prémio de melhor actor, a última apenas a indicação para melhor actriz. Um terno de histórias de amor, cada uma comovente à sua muito distinta forma. Dizem que as mulheres só gostam de romances. Não tenho qualquer problema em admiti-lo. Há dias alguém comentava comigo que fora estupidinha na meninice por só gostar de ler romancezitos e sei que considera que eu nessa idade era muito mais sofisticada ou rija, digamos assim, engrenando em terrenos mais áridos. Devo confessar a essa pessoa, muito longe de estupidinha, que raro foi o livro, filme ou música que me passou pelos sentidos no qual não procurei encontrar uma história de amor. Sou mulher. E nunca fugi disso, apesar da aparência por fases de desligada e resoluta, nunca me desliguei do que é mais importante e sempre sofri. Na viragem do século alguém me ofereceu o romance Corpos e Almas, de Van der Meersch. O ofertante já morreu e ainda não li o livro, mas lembro-me do momento em que me passando o romance para as mãos, aconselhou que me dedicasse aos ensaios. Disto falarei noutro post que venha a dedicar aos livros.
Um último preâmbulo. Não sei passar pelos livros, filmes e músicas sem me imiscuir neles. Entram-me na vida e nas entranhas. Será narcisismo, mas é assim. Será infantil e tolice, mas não finjo. Não sei fazer de conta que sei fazer avaliações objectivas sobre obras de arte como se cada uma não espelhasse parte de mim. Como todos, estou em toda a parte, só não faço de conta que não, como poucos.
Os filmes. África Minha, de Sydney Pollac, de 1985, é o primeiro dos meus eleitos e é uma espécie de herança. Herança de África, herança materna, herança de amor livre. Explicando sumariamente estas ideias. Nasci em Angola, porque os meus pais lá viveram 10 anos, e apesar da realidade do início do século XX no Quénia nada ter a ver com a de Angola no último terço do mesmo século, há uma forte afinidade de se agarra à pele de quem nasceu ou passou por África. A minha mãe adorava o filme, pelo que o vimos várias vezes em casa. É sublime a beleza da história de amor entre Karen Blixen e Denys Finch Hatton.
Ter saído de África ainda bebé, sendo filha de pais e tendo irmãos com memórias ricas de lá, fez-me criar um mundo de imaginação sobre Angola e as suas gentes. Um universo de desejo de beleza. O África Minha veio apaziguar da forma mais bela essa saudade irracional, que pela lógica da falta de memória própria não poderia existir. Com as paisagens desafogadas de cortar a respiração - o vôo a dois no pequeno avião é do outro mundo -, a magnífica fotografia de ricos pormenores, como as do interior da casa ou da varanda de Karen Blixen ou da chuva torrencial, do acampamento na savana, os leões no final, a banda sonora magistral de John Barry que continua a fazer-me chorar, os diálogos inteligentes, elegantes e de francos subentendidos, a sublime história de amor livre, a afirmação de uma mulher pelo carácter num ambiente e época hostis, fazem deste um extraordinário filme. Regressei a Angola aos 31 anos e por lá estive menos de um mês. Claro que o mundo da fantasia se desfez. Confrontada com a realidade, estranhei. Mas manteve-se imaculado, aliás aumentado depois de ter regressado, o amor por Angola e os angolanos, cuja beleza, altivez e coração sempre me comoverá. Parece patetice generalizar atributos de um povo, gabando-o. Talvez sugira que pretendo apelar ao sentimento ou ser demagoga, mas é tão só a verdade. Se for alvo de desdém tanto melhor para os iluminados muito informados e realistas. Tenho a sorte de quase todas as semanas poder conversar e ouvir angolanos ao telefone e como é bom escutar aquele cantado - faz-me matar a saudade esburacada mas eterna da terra onde nasci e mal conheci, à qual não posso chamar minha.
Morrer em Las Vegas, de Mike Figgis, de 1995 é o segundo filme da minha vida. Não é uma película prestigiada. Não é uma obra de arte a que se devote tempo e atenção. Tem como protagonista o eterno faz tudo sempre desconsiderado como grande actor norte-americano, Nicolas Cage. É um filme que toca as margens. O limite da degradação e o submundo. Fala-nos de suicídio de modo pouco convencional. Quando vi o filme tinha 22 anos e fiquei extraordinariamente tocada por ele, não tendo à época razão aparente para tal. Vi-o há muitos anos e tudo quanto diga de seguida tem mais a ver com devaneios meus do que com o filme em si, cuja memória é vaga. Mas não haja dúvida que são peças como estas, nas margens, que nos despertam para o que sempre há tendência de fugir. Comoveu-me de forma significativa o amor da prostituta Sera, interpretada por Elisabeth Shue. Há muito considero que todas as mulheres transportam em si uma puta e quanto mais a escondem menos mulheres são - menos ser humano completo. É fácil dizer que todas as mulheres trazem consigo o apelo da maternidade, é belo. E convencional. Nada faz mais sentido. Escrevi aliás na entrada para as Tílias, Filha e Maternidade, que por mais que nos queiram dizer que não se pode escolher entre o mal e o bem, por mais que digam que não existe essa fronteira, ela existe e está na maternidade, na vida. Se quiseres, na continuidade da maternidade. [...] é uma pequena centelha que nos dá sentido. E se não a experimentarmos de modo natural, ao menos tenhamos a sensatez de respeitar a beleza integral. Acrescentei: ao criar-te, minha filha, tenho a preocupação de não te despegar da humanidade, não só por convicção de que é o bem, como por amor à arte (peço desculpa por me citar, parece o cúmulo do narcisismo além de ser de muito mau gosto, mas é tão só por ser prático). Nada disto obsta a que a mulher reprima a sua dádiva - é sublime o dom de se entregar. O vil metal só entra na história do mundo para corromper a beleza do amor e marcar a prostituta como proscrita. É um modo torpe para inculcar culpa na consciência das mulheres. Toda a violência sexual do filme é grotesca, repele, como a violência da vida que a tantos atrai ou é indiferente.
O filme é sobre degradação. Nunca fui próxima de bêbados ou drogados - bom, talvez no liceu tenha conhecido alguns drogados em estádio muito avançado, mas apesar da amizade mantinha uma distância cautelar. A degradação física ou mental atira-nos para as margens da sociedade. E há muitas formas. Na casa dos 20 deparei-me com a minha fragilidade emocional e, mais tarde, o Universo encarregou-se de tirar a visão ao homem mais importante da minha vida, quando estávamos afastados. Porquê fazer a associação? Pela simples razão de na qualidade de cego e de pessoa emocionalmente frágil, o Nuno e eu conhecermos bem os preconceitos sobre margens. Somos imperfeitos e isso repele. Temos essa consciência e por mais normal seja a nossa vida e mais bem cercados estejamos de boas pessoas, a marca está lá. Quando assim é, entende-se melhor o preconceito sobre todos os marginais e até a incompreensão cristã, que é pouco cristã, sobre a imperfeição, seja de que natureza for. Além de outra ligação forte ao filme, que acaba por ser também o retrato do suicídio - tema a que tenho um enormíssimo respeito e é também por respeito a mim própria que não exibo. Digo apenas, como sempre, que é preciso acreditar na dádiva e na cura - na ressurreição.
As Pontes de Madison County, de Clint Eastwood, também de 1995, é o meu terceiro filme. Uma bonita história de amor maduro e de separação. Amor tão lento em pouco tempo. Feito para durar. Uma belíssima fotografia e a causa da primeira discussão que tive com o Nuno. Ao falarmos do filme disse-lhe que Clint Eastwood se deveria ter limitado a realizar, dando o papel de actor a outro. Respondeu-me que eu não percebia nada de cinema. Agora olho para as fotografias do filme -, vejo a imagem de Clint Eastwood - e percebo o quão novinha era quer à época em que vi do filme, quer mais tarde aquando da pequeníssima discussão - marcante por ser a primeira. O que explica tudo. Não vou falar muito do filme, não tem muito que se diga. É uma questão de se ver. Mas não posso deixar passar a nota sobre a extraordinária actriz que é Meryl Streep e de continuar a estranhar a forma como alguns, especialmente homens, cilindrados com a mestria que a actriz tem vindo a revelar ao longo da carreira são incapazes de se renderem. Acusem-me de feminismo galopante, mas nunca me resignarei ao facto de alguns homens não reconhecerem não só talento como magia numa mulher ímpar, quando facilmente enaltecem figuras masculinas - e também femininas - de muito menor dimensão. É uma menoridade de alguns homens - e estranhamente de algumas pessoas do sexo feminino -, e táctica para manter as mulheres num patamar de inferioridade. Uma mulher com talento mediano nunca competirá com figuras masculinas de maior dimensão, por isso é merecedora de elogio, já uma mulher ímpar é capaz de rivalizar. Daí causar tanta hesitação ou mesmo repulsa e medo.
‘I’m glowing’: scientists are unlocking secrets of why forests make us happy, de Patrick Barkham, no The Guardian.
Sexta-feira, a aproximar-me das 19h00, na entrada de duas semanas de férias. Teria tudo para ser o momento mais feliz do ano.
Ainda a tomar o pulso à ideia: 15 dias inteiros para estragar. É a loucura.
Hoje ocorreu-me este post a propósito dos jornais Público e Observador e dos reflexos opinativos nas redes sociais - das questiúnculas de facção que marcam os dias.
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Quando se vive a vida como quem folheia um catálogo refastelado no canapé em frente ao espelho da vaidade perde-se o essencial. São escolhas: há quem prefira o conforto das alcofas, há quem escolha viver.
Da base da sociedade às mais sofisticadas elites intelectuais o vício é transversal e ataca feroz: o que é não existe pelo que é, pelo seu valor intrínseco, mas pelo ricochete da apreciação na boa imagem no sujeito. Gosta-se ou desgosta-se em função da boa imagem que se dá ao apreciar ou mostrar desagrado. Uma composição musical pode ser excelente, mas se tiver associado algum sinal de repulsa pelas gracinhas aleatórias em voga que faça o sujeito correr o risco de ser tomado por bronco, logo o dito desdenha da música - ainda que a adore.
Uma opinião pode ser cristalina e a mais avisada, mas se for dita por um rival da intriga palaciana, logo é achincalhada pelo viveiro de umas centenas (vá, talvez um milhar) de figuras que vivem nos media, no twitter, no facebook, nos blogs do encosto mútuo e de tecer maledicência sobre os rivais de ocasião. Nem vale a pena tomar as dores de alguns porque os vários grupelhos equivalem-se na baixeza e alimentam-se mutuamente. Para assegurar encosto próprio e dos apaniguados atacam em matilha com reprodução da mesma verborreia entre si, sendo incapazes de agir com independência. São facilmente identificáveis ao regurgitar a cartilha dominante ou reactiva-dominante (estejam certas ou erradas) a papel químico, ao aderir a todos os temas quentes (para os quais normalmente só despertam quando começam a render, estando na verdade a marimbar para a substância da coisa) e ao invocar as mesmas personalidades como referências. Tudo com cada vez maior abstracção e suposta sofisticação de raciocínio - sempre acompanhada de doses consideráveis de dados e informação - histórica ou actual - que servem sobretudo para se demarcarem da massa ignorante que consideram incapaz de pensar e ter opinião válida.
A música pode ser óptima e a opinião dos rivais clarividente, mas sentados no canapé em frente ao espelho ficam ofuscados com a imagem de erudição e carácter, quando o dito reflecte sobretudo soberba, intransigência e prosápia no lugar da espinha dorsal.
Entretanto, o mundo rola segundo as leis da natureza, um tanto indiferente às vaidades e vaipes videirinhos. Continua a fazer-se boa música, o que está certo continua a estar certo e o errado mantém-se errado, independentemente de ser tema quente e o próximo palpite ser inteiramente enquadrável na última alocução de alguma vedeta promovida por cada matilha.
Como ter sempre razão? Essa impossibilidade, se houver rigor.
Nunca admitindo erros de avaliação. Galopando de perspectiva em perspectiva, encastelando-as em retórica como se de um jogo de Tetris se tratasse, escondendo no discurso erros de julgamento anteriores, na esperança que se apaguem da memória. Enumerando a cada discussão os eventos vantajosos ao próprio ponto de vista, ao mesmo tempo que se oculta os desvantajosos. Em suma, usando a lábia. Havendo destreza intelectual a imagem será a de consistência. “Só é que”, como diria o meu professor Hörster (neste teclado o trema faz-se com o atalho “Alt” 0246 u), a falta de modéstia e verdade acabam por se relevar, retirando valor a pessoas que assim procedam. É pena, há gente válida e capaz que, se tivesse consciência dos benefícios da honestidade e humildade, poderia vir a ser notável. Assim serão apenas malabaristas da opinião a animar ou entreter público.
O professor Hörster limitava-se a dizer “só é que” e a treinar mentes juvenis na Teoria Geral do Direito Civil e Direito da Família, em casos práticos nos quais pontuava sempre uma tal Berta. A parte moralista do parágrafo anterior é inteiramente da minha lavra, só referi o alemão por usar aquela expressão e por ajudar na noção de rigor que tanta falta faz aos portugueses, muito em especial, aos sabichões da opinião de sucesso em Portugal, onde rigor e severidade só são exigíveis aos outros e nunca a si próprios.
Bem sei que estamos em guerra e há uma central nuclear em perigo. Bem sei que o país está atolado em erros de governação e na política mais rasteira de parte a parte. Mas vai sair mais este postal pessoal sobre ninharias - escrito na passada segunda-feira e actualizado hoje -, de quem se importa com que os outros de si pensam. Facto que normalmente não se admite em público - muitas vezes nem em privado.
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O falso convencimento e a certeza atravessam a voz dominante, numa corrente de circunstâncias veiculadas pelas agências de comunicação e principais propagadores de “factos” nas redes sociais. A pretexto de expurgar do mundo as fake news tudo quanto seja mero bom senso é tratado ao nível de conversa de café. Ou se está alinhado com a corrente dominante ou amparado por tribos, ou se é tratado como ignorante e imbecil. A verdadeira e mais perigosa conversa de café prevalece desde que alçada a facto e verdade dominante. Daqui decorrem consequências nefastas já várias vezes referidas nas Comezinhas, pelo que me escuso a insistir nelas, dizendo apenas quão perigosos são os momentos de desencontro entre o genuíno pensamento e sentimento das populações e as revoadas de opinião das massas que resultam das lavagens cerebrais feitas pelas elites fajutas e gananciosas. A liberdade de expressão e contraditório são enviesados pela manipulação dos meios de difusão. Vive-se na aparência destes valores. E sempre que digo isto (ou algo parecido, mas sumarizado) sei quantos consideram as minhas palavras vagas e inconsistentes e que as ideias não passam de banalidades sem qualquer interesse e densidade – ou porque sou imbecil e nem sei bem o que digo querendo apenas alarde e conflito ou porque brinco com as palavras e as ideias, não as justifico ou provo, possivelmente com a má intenção de pôr em causa a tolerância e a perenidade dos valores democráticos ou mesmo apelar a radicalismos. Não podem estar mais enganados e, posso até ser a mais ingénua das opinativas, mas água mole em pedra dura tanto bate até que fura.
Dizer o que penso sem estar conspurcada com as torrentes de informação, fazendo finca-pé em não deixar formatar o cérebro pelos bem pensantes - recusando o jogo tentador de florete, de troca destrutiva e ad aeternum de argumentos assentes na demonstração casuística -, é uma atitude que gera antipatia, quando não desprezo – não concorro para miss simpatia nem miss esperteza saloia. Se respeito e admiro e disso faço reparo quem estuda, fundamenta e passa conhecimento a outros, não tolero que na ambição desmedida grupelhos usem, calquem e destruam gente cujas qualidades e mérito são manifestos e promovam outras de competência aparente por amiguismo, interesses e conveniências, perpectuando o atraso do país. Tudo em busca de um lugar ao Sol de tribos, sacrificando a honestidade.
Pela experiência de atitude há mais de 30 anos no tempo do liceu, ou há mais de 15 aqui na internet, posso até fazer futurologia, certa de acertar. Daqui a 15 ou 30 anos continuarei e enganar-me, a decepcionar-me e a acertar às vezes, todavia a dizer o que penso, em vez do que é conveniente. E a não jogar sujo. De cá de baixo continuarei a ver os bem-pensantes promover nulidades para a governação e oposição, tantas vezes de forma enviesada, e fomentar o acesso dos chicos-espertos aos lugares de destaque na sociedade. Continuarei na sombra, a lembrar que é esta elite fajuta que impede o país de ser melhor, cruzando-me com uma dúzia de pessoas em cada etapa, aprendendo com elas e tentando contar o pouco que sei – pequenos apontamentos que podem fazer diferença e, admito, com alguma esperança que na boca de outros mais simpáticos passem adiante. Na esperança que haja pequeníssimas mudanças para melhor. A sombra é o meu lugar e é nela que me sinto bem. Importo-me pouco de ficar com o odioso - ganhei calo nisso -, sei que a desconfiança que recai sobre mim é injustificada. Não me pesa a consciência de prejudicar o país e de o usar em benefício próprio e dos meus amigos. Cada um tem a sua ambição: a minha é de a partir do último degrau, no qual pretendo permanecer até morrer, fazer chamadas de atenção aos que lá em cima perdem a noção do respeito pelos outros. Sei, é o cúmulo da pretensão. Mas é mais tranquilo estar cá em baixo - é a prática de uma vida. Apesar de reparar na desconfiança que gero nos que vêem as críticas como inveja e ambição de trepar a todo o custo. Pelo contrário, quanto mais vejo gente em bicos de pés e pouco confiável, mais penso como me sinto e sentirei bem no meu lugar, cá na base - e isto não é lero-lero.
Aproveitei o tempo para ver o que usualmente não me ocupa o espírito. Na RTP passa a série Pôr do Sol, que também é transmitida na Netflix. Uma sátira às telenovelas. Como ando sempre desalinhada dos fenómenos de popularidade, não sabia que existia e tivera tanto sucesso no Verão do ano passado. Esta semana fui apanhada de surpresa quando, depois do jantar, ao deixar rolar a programação após Telejornal, meio distraída, dei pelos diálogos soltos, surreais e cómicos, que em poucos minutos me prenderam a atenção. Compreendo o sucesso. Tem graça.
E contrasta pela positiva com as imagens pontuais que não pude evitar, quer de programas de entretenimento portugueses nos quais é suposto os concorrentes fazerem figura de urso com grande estardalhaço, quer das peças dos jornais sobre um evento de atribuição de prémios no mundo da música, no qual brilha a exibição de rabos ao som de funk. Percebo o quão sugestivo possa ser para alguns, mas vejo tanto interesse em vídeos com o rabo da Anitta sacudido ao som de funk, como no soutien em forma de funil da Madonna nos anos 80. Cada uma faz a sua época. Há até quem diga que são as figuras marcantes do seu tempo e têm mais influência no curso da História do que a maioria das outras figuras públicas. Quem sou eu para as desmentir.
Foi assim que depois de uma temporada submergida nas Comezinhas - neste mundo anacrónico dos blogues -, vim à tona por cinco dias e reparei em pormenores que fazem o quotidiano da maioria. Note-se como o anacronismo nesta era se faz numa arroba de anos, ou pouco mais do que isso.
Bom dia.
Agradeço uma vez mais à SapoBlogs pelo destaque de ontem.
Aproveito para agradecer as visitas aos leitores das Comezinhas. Faço muito gosto de os ter por cá.
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