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*
Agora,
se dão
licença,
repouso.
Enfio
as penas
no casco
oco
do lenho
de carvalho,
feito
desenho animado.
Grata
a quem –
paciente
e generoso –,
lê,
confesso
as mãos
vazias,
e vou
recapitular.
Criar mais
e melhor
(rogo aos céus!)
para dar.
Com a chave
pendurada
no arabesco
do postigo,
e a casa
por vossa
conta,
escondo
a asa
atrás
do letreiro
volto já,
e espreito.
(22-12-2019)
A presunção de quem está de modo permanente em bicos de pés, querendo sempre associar-se a quem traz ganho reputacional, anda quase sempre de braço dado com a má-criação e a falta de consciência do desprezo alheio, da pobre inteligência e da altivez forçada.
Portugal no seu pior, o que vinga.
Sabotagem - 10 vezes na lousa: sabotagem.
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O Relatório de Monitorização da Mortalidadede 2022 está disponível para leitura integral através de pdf na página do Instituto Ricardo Jorge.
O resumo está disponível aqui:
A monitorização da mortalidade por todas as causas é uma ferramenta útil na identificação de fenómenos de saúde, ou desastres de elevada gravidade ou de elevada incidência na população e impacto na mortalidade. Em Portugal, a monitorização da mortalidade é realizada, desde 2007, pelo Departamento de Epidemiologia do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, permitindo estimar impactos associados a diversos eventos tais como: epidemias de gripe, COVID-19, períodos de temperaturas extremas e acidentes. Este relatório tem como objetivos, descrever a evolução da mortalidade por todas as causas durante o ano de 2022 [semana 01/2022 à semana 52/2022 (03 janeiro de 2022 a 01 janeiro de 2023)], bem como identificar e analisar os períodos de excesso de mortalidade identificados. No período em estudo, foram registados 124.602 óbitos em Portugal, tendo sido identificados quatro períodos de excesso de mortalidade a nível nacional [6.135 óbitos em excesso (IC 95%: 5.214-7.056)]: 1. 17 janeiro a 06 de fevereiro: 891 óbitos em excesso (IC 95%: 479-1.303; 12 % de excesso em relação ao esperado); temporalmente coincidente com uma onda de COVID-19 e um período de temperaturas baixas, identificado pelo sistema de vigilância FRIESA como um período de frio extremo com efeito provável na mortalidade; 2. 23 de maio a 19 de junho: 1.744 óbitos em excesso (IC 95%: 1.268-2.220; 21 % de excesso em relação ao esperado); temporalmente coincidente com uma vaga de COVID-19 e um período de temperaturas anormalmente elevadas para a época do ano de acordo com o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA); 3. 04 de julho a 07 de agosto: 2.401 óbitos em excesso (IC 95%: 1.869-2.933; 25 % de excesso em relação ao esperado); temporalmente coincidente com períodos de calor extremo, identificados pelo sistema de vigilância ÍCARO; 4. 28 de novembro a 18 de dezembro: 1.099 óbitos em excesso (IC 95%: 687-1.511; 15 % de excesso em relação ao esperado); coincidentes com o período epidémico da gripe. Foram observados períodos de excesso de mortalidade em todas as regiões, embora com diferente duração e magnitude. A região Norte foi a região em que se identificou um maior número de semanas de excesso de mortalidade (18) distribuídas por quatro períodos. Observaram-se excessos de mortalidade no grupo etário 15 aos 24 anos de idade e nos grupos etários acima dos 65 anos. existindo um gradiente crescente com a idade em relação ao número de semanas em excesso de mortalidade (65-74 anos: 6 semanas; 75-84 anos: 9 semanas; e 85 mais: 22 semanas). Dada a coincidência temporal, podemos concluir que a maioria dos períodos de excessos de mortalidade identificados quer a nível nacional, quer a nível regional, terão estado potencialmente associados a fenómenos amplamente conhecidos por poderem ter impactos na mortalidade, particularmente, as epidemias de gripe e COVID-19 e os períodos de calor e frio extremos. Salientando-se que, os impactos devido à gripe e COVID-19 terão sido inferiores do que o observado noutros invernos, embora os impactos observados no verão tenham sido superiores aos observados em anos anteriores (ainda que dentro do esperado para a magnitude e duração dos períodos de calor registados). Refira-se que o aumento da taxa de mortalidade em vários grupos etários indica um aumento do risco de morrer, em relação a anos pré-pandemia, que não parece totalmente explicado pelo envelhecimento populacional, uma vez que ao contrário do que se observava antes da pandemia a taxa de mortalidade padronizada aumentou a partir de 2020 e ainda não regressou aos valores pré-pandemia.
Ouves dizer que não se deve estar preso ao passado. O que isso seja é uma variável altamente subjectiva. Podes viver tanto o presente estando amarrada ao passado ou ao futuro, como se mui ciente estivesses de aproveitar o dia presente. E nem vale a pena entrares no plano da física para desconstruir tudo isto: um dia saberás harmonizar o sentimento ao desencontro entre o tempo da física e o que reza a história e a psicologia.
Olhando para trás quanta admiração pelo que viveste achando que apenas projectavas. A permanente idealização, o tal arqueiro em busca eterna pelo devir que a simbologia astrológica ocidental te escolheu, terá feito de ti menos gente do que se pragmática e persistente teimasses em ser fiel ao que és à luz da imagem do oriental búfalo?
Em sonhos voaste e voas alto. Desististe há muito de piar fino. Sonhas com as estrelas, como se usa dizer. Como recompensa sentes e crês na companhia das estrelas. Na outra mão sofres da estranheza e desconfiança alheia. Do caminho inconsciente encetado em criança e das múltiplas angústias geradas no descalabro abissal entre sonho e realidade total – a que te compreende a ti e aos outros – tomas consciência que o trilho se fez vontade e escolha.
Se os sensatos conselhos te puxam - como criança irrequieta desejosa para brincar ao joguinho em voga -, pela manga da camisola da adequação, o corpo inteiro parte em viagem arrastado pela cabeça para o mundo de recreio que criaste e escolheste.
Há angústia esporádica e medo, pois com certeza. O desajuste tem preço. Mas saberias agora viver de outra maneira? Terias sabido viver no passado de outra maneira? Hoje, depois de um acordar em paz com o que te costuma causar conflito e fúria seguido de um momento de desânimo, deste por ti consciente das marretadas que a vida te deu, independentemente de saberes que te puseste a jeito.
Houve momentos em que tudo soou a fiasco. Fiasco total. Houve momentos em que tudo soou a ciclo perfeito de alegria e harmonia completa contigo, os outros e o universo. E há momentos em que buscas o passado para perceber o que sentiste e já não consegues sentir.
Dos amores passados sobra uma ténue memória feita de curtas imagens, palavras, toques e também da ausência de imagens, palavras e toques. Já não ouves as vozes que te envolviam e por meses ou anos eram as mais importantes da tua vida. E das que não eram importantes. Já não vês as expressões do olhar que por meses ou anos eram tudo. E das que não eram tudo. Já não vês corpos e sombras a quem te entregaste. E a quem não te deste. Não sobra nada, nem as convencionais fotografias e lembranças, porque a tua vida teve pouco de convencional. Nada, ou quase nada. O tempo é implacável. Será que sobra alguma coisa de real? Do que efectivamente foi? Ou só as posteriores considerações que fizeste sobre o vivido?
Do chamado mundo concreto então o hiato entre o sonho e a realidade apresentou-se quase sempre como um despenhadeiro pelo qual caías rolando eternamente. Até ao momento em que a imagem que de ti fazem começou a ser menos importante daquilo que és. Até assentares na ideia que nada fará seres mais nem menos do que és.
Agora vives mais serena do que nalgum momento passado. Compreendida por quem é importante compreenda. Menos compreensiva do que devias com quem devias, aresta a limar. E a dar menos crédito e empenho àquilo e àqueles que não merecem.
Medo do fim? Sim, mas não em qualquer circunstância. Só no caso de o fim te soprar baixinho que as estrelas não existem.
Para tranquilizar as últimas horas do dia de trabalho.
Porquê? Por causa de uma “questão política e humana”: “Ninguém quer abdicar”, explica Mário Amorim-Lopes. “Não está em causa a perda de exequibilidade da medida”, defende o investigador em políticas de saúde: “Está muitas vezes em causa estes fatores humanos e políticos de capelas, em que ninguém quer abdicar da sua.”
Como sou precipitada, já tinha escrito o que vem a seguir, antes de ler o parágrafo precedente citado. É só conhecer o país e não alinhar nas ladainhas do espaço público informativo, de entretenimento e humorístico.
Não tenho tempo para procurar um trecho de Lord Byron sobre o agravamento da piolheira de norte para sul de Portugal. É impossível civilizar quem está convencido de ser muito informado, rigoroso, e inteligente ou perspicaz, e pura e simplesmente não gosta de regra, desdenhando dela com o desprezo próprio da falta de consciência da mediocridade própria envolvida no manto de aparente democraticidade.
Regra, gente. Menos paleio, e mais cumprimento da regra. É o que é preciso. Mas isto, lá está, é a visão de uma ignorante. Faltam-me aqui todas as evocações das primeiras páginas de jornais, todas aquelas redondilhas de factos e "factinhos", de leituras e releituras, de citações e referências, de argumentos e contra-argumentos que servem os interesses corporativos dos que trabalham no sector, de lutas partidárias e dos que comentam.
Não há país organizado, desenvolvido e rico sem sujeição à regra. Dizer isto aos príncipes e princesas de trazer por casa que se consideram credores de todos os direitos, mas sempre desobrigados da sujeição à mais pequena contrariedade, é um drama. Pelo que havemos de continuar sempre na cauda da Europa, a culpar à vez Costas e Passos (às tantas a culpa ainda é de Cavaco), que vão agradecendo também à vez tamanha importância e os votos lhes damos.
Depois de andarilhar por aí três ideias ficaram-me a pairar:
Depois de ter visitado a casa da ponta esquerda, hoje lá fui ver a ainda a ser demolida para reconstrução de raiz. Acompanhei o processo das outras três. Admito que tenho o hábito bem português de gostar de ver obras – entendo muito bem os pequenos magotes de curiosos que páram junto às obras públicas para acompanhar o processo de construção; é um atractivo.
Lembro-me de entre as horas que passava na biblioteca da faculdade, muitas serem passadas a olhar através da janela para as obras de ampliação da universidade, ao som das cassetes de música clássica no walkman, acompanhando a construção ao longo do tempo: desde a cofragem, ao preenchimento com betão da estrutura, ao assentamento do tijolo das paredes, e as armaduras das portas e janelas. Talvez me tivesse instruído mais se lesse o que era suposto sobre leis, mas não me teria divertido tanto.
Hoje tirei as primeiras fotografias da quarta casa a construir. A ver se não perco o acompanhamento. Com as outras fui seguindo os anúncios online das imobiliárias, de forma que pude acompanhar também o andamento no interior.
Coisas que me divertem.
Ontem foi dia de regresso ao passado. Mexer nos livros da infância transportou-me aos Setembros, Natais e Páscoas em Valinhas, e à imagem das gargalhadas de irmãos e primos estirados nas camas, uns de barriga para baixo, outros de barriga para cima e perna cruzada, sobre as colchas a devorar Astérixes e que tais - os nossos com as lombadas todas desfeitas ficaram com o N..
Vou alivrando (já que há amealhando, também posso alivrar, não?). Apesar da intimidade com as capas, não tenho memória de ter lido muitos dos livros em que mexi ontem e em Março de 2020, e que mostrei aqui e aqui - genuinamente não sei se li e esqueci ou se não li, mas apesar disso tudo me parece conhecido e íntimo. Às vezes, dá-me vontade de tirar férias para me dedicar a lê-los, afinal agora aos 49 anos já devo ter maturidade cognitiva para os entender.
Recebi de presente do meu pai a edição dedicada ao Padre António Vieira da Revista Oceanos. Ontem passei os olhos e recordei os anos em que fui lendo trechos dos Sermões.
Entretanto recebi também fotografias da viragem do século: 11 Setembro de 1999 e 19 de Fevereiro de 2000. Lá está, o tempo passa. É tudo quanto me ocorre dizer, para lá do evidente narcisismo.
Além da falta de memória galopante provocada pelo excesso de informação, hoje na rua, nos autocarros, nas casas, nos espaços comerciais, nas escolas, nos locais de trabalho, em todo o lado, todos sabem tudo. Todos são sábios. O absurdo baixou sobre o mundo. Não escapa ninguém, nem nós próprios nem os que mais gostamos. É aterrador.
A única margem de segurança que tenho é saber que posso estar a exagerar por via da mania. E isso hoje é um conforto. Quem sabe se menos afectada por esta fragilidade, virei à tona e direi: ah, não, afinal foi só uma má fase minha, o mundo está bem e isso é muito mais importante. A não ser assim, os sinais são mais perturbadores do que nunca.
Hoje de tarde irás a Gaia à casa onde viveste a adolescência e juventude (odeias esta palavra, mas não te sujeitas aos sinónimos; essa implicância de mau feitio com algumas palavras deveria originar imediata busca da que melhor se aplica, mas por vezes demoras anos a encontrá-la), no intuito de dar uma mãozinha a prepará-la para a geração seguinte, já independente – e o gozo que te dá a independência deles; essas sim são verdadeiras vitórias.
Também por isso, mas sobretudo por te confrontares com a tua própria imagem concluis com a sensação: estou velha. É engraçado que manteres-te normalmente afastada da atenção aos espelhos faz-te um tanto desfasada das marcas do tempo em ti. Nesse doce engodo, vês-te mais novinha e atraente do que és. E logo tens necessidade de recordar as várias pessoas que conheceste que se achavam perigosa e ridiculamente menininhas(os) quando aos olhos da realidade estavam tão longe de o ser e sequer parecer. Ora, esta vontade de encontro permanente com a verdade, faz-te consciente, faz-te aceitar a realidade como ela é e não sofrer por aí além. É evidente que gostavas de ser da forma como te vês no doce enlevo dos devaneios, sem confrontações realísticas com o espelho, mas tal com nos traços de carácter e qualidades mentais, é imperativo não disfarçares o que és, e aceitá-lo sem paninhos quentes, esfregas tontas no ego ou esticanços de bicos de pés. Porquê? Por que não (ainda um dia hás-de começar a saber distinguir o porque do por que, apesar das dezenas de vezes que consultaste o Ciberdúvidas) ser mais dócil com as imperfeições, abstraindo delas ou escondendo-as, como é prática dominante? Por escolha. Por não te fazer sentido. A tudo tentas responder com lógica (às tantas, da batata) e adequação à realidade. É claro que há aqui fragilidades, como a chamada de atenção para as ideias do gosto não se discutir e a tolerância devida às imperfeições da vaidade e da mentira. Têm razão, concedes. Mas retorques: porque não ser verdadeiramente tolerante com a própria imperfeição física? Isso sim, é ir directo à questão, em vez de rodeios e meneios para afagar egos inconscientes de si e da sua decrepitude.
Enfim, estás velha e não és menos feliz por isso. Mas também é verdade que: amanhã poderás estar mais nova e arranjar lógica nisso – chama-se retórica -, o pedaço que acabas de escrever tenha incongruências e por preguiça não as sanes.
Bem queria seguir com a saga A Guerra ou divagar numa nova mexerufada, mas não deu. Amanhã, manhã e tarde já com ocupações, umas lúdicas, outras nem tanto. Agora nem tenho sono, mas preciso dormir. O cansaço físico impera. Vai-me saber pela vida o sono. Nunca compreendi aquelas pessoas que dizem que dormir é desaproveitar a vida. Não sofro dessa sofreguidão. Uma vida é muito tempo. Mesmo quando era noctívaga (e muito desregrada) gostava muito de dormir (de dia). Talvez acorde cedo e possa escrever umas linhas.
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Adenda 01h43. Porque será que nunca digo o que faço e faço o que digo? Ainda acordada. Agora é que é. Boa noite. Até amanhã (isto é, até de manhã).
Às 14h00 a máquina de café enguiçou, não espetou bem a cápsula, vai daí ao forçar a abertura levei com valentes esguichos de café na camisola de lã. Seguiram-se os palavrões da praxe, e como foi caso grave, impunha-se o relambório integral: pê que pê esta éme, éfe; cê. O alívio que proporcionou a enxurrada de vernáculo não fazia crer que ao fim do dia tivesse motivo maior para disparatar. Antes de sair da empresa tentei ligar o carregador do telemóvel e a entrada da placa de alimentação faiscou e começou a fumegar. Já sem forças para o vernáculo, segui resignada para a loja da NOS mais próxima. Havia encerrado mais cedo do que é habitual. Apanhei um táxi para passar por casa e seguir no mesmo para o centro comercial. Entrámos na primeira loja NOS: não, que a garantia não cobre e mesmo que tivesse seguro também não cobria. Pois, mas nem perguntei nada disso, interessava-me sim salvaguardar os dados, e já que a porra do smartphone estava com 16% de bateria, com urgência. Pois, tem de ir à Worten Resolve em frente à nossa outra loja. Lá fomos, e uma menina extraordinariamente prestável ajudou em tudo, mas de resto são 18 dias para vir a placa de alimentação e isto se der.
Nem tudo está perdido, pensei: compro um daqueles telemóveis de teclas barato. Só que caí em mim: e as aplicações? Só funcionam em smartphone. Resigno-me. Volto para a Loja da NOS. Escolho o primeiro depois de exaustiva explicação das características. A menina vai à parte detrás do espaço. Ah, pena, mas não temos. Escolho segundo, o mesmo elenco das qualidades do bicho. E vai lá dentro novamente, e diz: está mesmo com muito azar, esse também não temos. À terceira, escolho um mais caro, que não havia na loja, mas estava disponível na tal outra loja em frente à Worten Resolve. E lá fomos de requitó e trouxe o smartphone, não sem antes saber que teria de trazer novo carregador, porque e tal e coisa as entradas agora são diferentes. Mais a capa, que por ser burra disse que queria antes de perguntar o preço.
Na penúria seguimos para o PastaCaffe para continuar a delapidar o património, onde comi tortellini com cogumelos selvagens e queijo gratinado a meias com configuração do bicho e download das três aplicações que mais uso: WhatsApp, Uber e Porto.BUS. Mantive os contactos, ufa. Que susto. E é assim a dependência.
Chamei o Uber já pelo novo aparelho e o insólito: o carro estava lá estacionado, mas sem motorista. Cancelo a viagem, chamo outro que confirma: alguém teve que aceitar a viagem. Muito provavelmente um chico-esperto. Este era de facto o meu dia.
Chegámos a casa e o novo aparelho, que sabe muito mais de mim do que desejável, informou que hoje dei os 10.000 passos aconselhados. De registar que pelo menos 8.000 foram dados ainda na posse do anterior aparelho. Ufa, além de dependente sob permanente vigilância.
O telemóvel queimado só no próximo Outono faria quatro anos. Isso irrita-me. Se o conseguir recuperar, ficará de reserva para futuros azares.
Calma, não vou a lado nenhum. Só me apeteceu recordar este postal de Agosto de 2020, após o qual não me consegui afastar mais do que 15 dias (para quem esteve 12 anos fora do mundo online é uma insignificância).
Vícios. Seja. Nada na vida é puro.
Já começa a cheirar a fim-de-semana.
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Escrevo as linhas seguintes com a perfeita consciência de que textos como este – pessoais e explicativos do afastamento temporário – são tidos como menoridades desnecessárias, mas isso não me aquece nem arrefece. O certo é que de manhã estava a pensar com os meus botões quais seriam os próximos escritos das Comezinhas. Em mente tinha alinhavado grosso modo o apontamento sobre a diferença entre sentir e perceber como se faz música e conhecer a história ou percurso do compositor, músico ou bandas; a distinção entre o prazer de ler e escrever e saber quais são os géneros literários e o rol de autores e ideias recomendadas; a distância que vai entre catalogar uma pintura com esta ou aquela corrente e o distinguir a forma como desliza o pincel na tela com aguarela, óleo ou acrílico; a destrinça entre gostar de beber vinho, das uvas, das pipas, dos lagares e discutir rótulos de garrafas. Tudo faz o todo. Tudo é importante. Mas não se sentindo - o trabalho, a fábrica, a arte - de pouco vale dissertar, debater ou pseudo-ensinar conceitos abstractos. E recordei – é uma constante do meu pensamento –, quão artificial e volúvel é a atitude de muitos perante as pessoas, ideias e obras. É-se genial ou um perfeito asno por mero acaso, por jeito ou desagrado ‘amigo’, por apetite ou enjoo momentâneo. Por tique.
Há uns dias pensei também em aguardar pelas férias em Setembro e, com tempo e gosto, mostrar em fotografias a confecção dos jantares durante uma semana. E gravar mais uma pianada. Tinha a ideia de fazer dois ou três postais sobre leituras de ciência, matéria em que sou uma nulidade. A ideia era começar por Heráclito. Mas tudo isso ficará para segundas núpcias (nunca deixo de me lembrar da minha avó quando uso esta expressão). Sobreveio a sensação de que preciso, como agora se diz: ajustar as prioridades.
Ler, escrever, conversar e opinar são-me vitais. E o mundo virtual veio ampliar a possibilidade de expandir esses gostos. Por esta altura, faz vinte anos que a internet começou a ter peso na minha vida. Fui utilizadora antes, mas ocasional. E há dezassete tive o primeiro blog. Devo muito à internet. O melhor e o pior. Conversei milhares de horas por escrito. Troquei ideias, concordei, discordei, chateei-me, alegrei-me. ‘Conheci’ muitas dezenas de pessoas. Nos sítios mais inesperados, entre muito lixo humano, variedade de ideias e percursos de vida, encontrei tesouros - não só pelo talento inato e dedicação ao trabalho/arte, como pelas qualidades humanas. Gente que de outro modo muito possivelmente não encontraria, ou não daria a mesma atenção e vice-versa. Como não tenho aquele bom feitio ou talento de guardar trinta pessoas no coração e manter contacto para toda a vida, os meus amigos contam-se pelos dedos de uma mão – vá, talvez precise de um dedo emprestado da outra mão. Poucas e antigas amizades, na maioria com mais de trinta anos, ou seja, muito anteriores à utilização da internet. Ainda assim, não desvalorizo as amizades feitas virtualmente – sei, aliás, ser bastante dissimulado esse desprezo. Prezo-as tanto quanto as mais antigas. A internet passou a ser – a par das escolas, da vizinhança, das universidades, dos locais de trabalho, dos espaços lúdicos, dos eventos sociais, das viagens, etc., o ponto de partida de ligação entre muitos. E desdenhar ou desprezar isto revela pessoas que estão efectivamente fora do munto virtual, ou – também muito comum –, pessoas que estão absolutamente dentro, mas dissimulam por preconceito e ainda se encontrarem em estado de negação.
Tal como prezo, desprendidamente, os ‘conhecidos’ virtuais. Desde criança oiço falar em ter relações ou boas relações. Como diz o outro: é coisa que não me assiste. Não sei fazer relações nem ter boas relações, muito menos chamo a isso ter amigos. Aos amigos escrevo, falo ou estou de quando a quando, quero saber deles, preocupo-me e sei que a inversa é verdadeira. Imagino que ter boas relações – ter muitos amigos - esteja muito longe disto.
Como é natural o reverso da medalha também existe. Lado a lado de muita gente boa, há verdadeiros canalhas. O meio virtual é propício à ofensa, à mentira, à cobardia e à pulhice. Nalguns casos, como não podia deixar de ser, gente muito interessada nas boas relações. O melhor que temos a fazer é aprender a evitar esse tipo de gente. O bom de envelhecer é que começamos a sentir-lhes o cheiro à distância, a tempo de não provocarem estragos. Mas isto não é, definitivamente, o que mais interessa. Melhor é aproveitar a companhia e sabedoria de muito boa gente, de que não usufruiríamos de outro modo.
Durante cerca de doze anos estive fora do mundo virtual, isto é, sem intervir. Sem conversar, sem debater. Quieta. Mas nunca perdi o hábito de ler jornais e blogs. Mantive-me apenas como leitora. O que escrevi foi para mim e não para os outros. Há menos de dois anos voltei a conversar e dar bitaites. Depois criei as Comezinhas. Mais do que agora se chama exercitar as competências sociais, busquei uma forma exercitar a escrita. Um gosto antigo, mas pouco trabalhado. Nas Comezinhas aproveitei para publicar o que tinha escrito nos últimos anos. Na altura, perguntaram-me por que não tentava publicar à séria. Há várias razões. Primeiro por já ter feito uma tentativa sabendo que dificilmente aconteceria a edição normal e não me apetecer a edição de autor: não tenho o menor jeito para impingir. Segundo, por um pormenor da maior importância: por pouquíssimos que fossem, a Ana Paula teve mais leitores aqui nas Comezinhas, do que algum dia teria numa edição de papel. Terceiro porque já tinha sido lida pelas três pessoas que mais importava lessem. Quarto, por o culto do livro como objecto não ser em mim superior à simples leitura, seja em que suporte for. Quinto e mais importante: a Ana Paula é fraquinha. O próximo – a Quinta -, será melhor e ao terceiro ou quarto estarei no ponto.
Interessa agora escrever melhor e lançar-me na Quinta. Para isso, e porque sou de carburação lenta, preciso de me afastar por uma temporada maior do que as habituais (agora não chega o volto já de poucos dias que coloquei em Dezembro, Abril e Junho). Já percebi que não vou conseguir recomeçar a escrever com o mínimo de seriedade sem me afastar dos blogs, que são extraordinariamente absorventes para uma desregrada como eu. Admito que vai ser imensamente difícil conter-me.
Resta-me agradecer a generosidade aos poucos leitores das Comezinhas, em especial aos mais assíduos, e aos outros autores de blogs, que li e nos quais deixei bitaites: sempre fui muito bem recebida. E, naturalmente, à impecável equipa da Sapo Blogs.
Gostei muito deste bocadinho.
Beijinhos e abraços para quem é dessas mariquices.
Até breve.
Suponham: em devaneios idealizam uma conquista pessoal que é em simultâneo a concretização de uma aspiração universal. Agora imaginem que por artes desconhecidas essa conquista se verifica noutros protagonistas. É a realização plena constatar que aquilo que poderia parecer uma aspiração narcísica se transformou num avanço civilizacional. É por isso que, por mais gozo inspirem na douta sofisticação dos calejados na retórica oca, fazem sentido aquelas balelas do "deves acreditar nos teus sonhos e manteres-te fiel a ti e aos princípios".
E assim funciona o mundo: o Universo escreve certo por linhas tortas.
Desembucha, vá. Começa lá a entrada de hoje. Vieste a andarilhar pela rua para vir trabalhar e a moralizar, afinal tais pensamentos dariam um postal. Maçador é certo, mas dariam. Fica aqui como mais um tópico de agenda – hoje vais colocar o cerebrozito azul e tudo para dar algum formalismo à coisa. E seria então uma alusão à forma como em pequena foste educada a saber que uma senhora, sendo dona de casa onde recebia convidados, se não deveria estar desleixada, jamais deveria exibir traje a mais. Deveria ater-se a um trapinho que não constrangesse, mas também não ofuscasse quem recebia. Mais do que dar exemplo, lição que todos acham ter aprendido e capazes de praticar, deveria respeitar as visitas, preocupar-se mais com elas do que com a sua imagem. É certo que se nunca te soubeste vestir, muito menos segundo as modas, resta-te a consolação destas outras aprendizagens, mais subtis e cada vez mais longe do espírito que vinga nos dias presentes. Talvez seja por isso que continuas a não compreender os conselhos de quem explica (palavra tanto mais usada com parcimónia e prudência quanto maior for a consciência) como se come, como se lê e escreve, como se veste, como se viaja, como se ama (tinhas escrito as palavras gastronómicos e indumentária e dá-te um trabalhão mudá-las para aclarar o discurso) – escreveste isto no segundo capítulo do fraquinho O Livro dos Três Princípios, e na altura estavas longe de saber que te ias deparar tão quotidianamente com estas pechas. Em suma, seja no papel de anfitrião seja de conviva o estar em bicos de pés, dando-se por exemplo de precocidade, perfeição, bom comportamento, graça ou talento (enfim, superioridade) são absolutos ridículos e menoridades. Revelam falta de (boa) educação no melhor dos seus sentidos e também falta de inteligência, atitudes como estas: ah, que bem que eu cozinho ou como ao contrário dos incivis, que bem e tanto que eu leio e escrevo ao invés dos ignorantes, que bem que me visto e me distingo dos pirosos, que bem aproveito as viagens e me distancio dos parolos, que puro sou ao amar ao contrário dos tontos. Há uma diferença grande entre dar o ar de civilizado e sê-lo, apesar de não ignorares que cada um tem direito às suas peculiaridades – e céus, aos seus defeitos. Só que lá está: quem atira muitas pedras ao telhado do vizinho arrisca-se às pedradas no seu próprio telhado.
Bom, foste muito além do espírito de agenda. Mas assim vai ficar. Que outro assunto te acorreu no percurso pedestre matinal? As mulheres e a atenção. Podias dizer o ser humano e a atenção, mas preferes focar nas mulheres, ainda que sob o risco te associarem algum tipo de misoginia. Também aqui é uma questão de dose. Se é verdade que uma mulher a quem não é dada atenção ou não é amada tende a amarfanhar as suas potencialidades emocionais e intelectuais, não evoluindo nestas duas vertentes, não é menos verdade que aquelas nas quais recaem a atenção e o desvelo em abundância e não em número – tudo quanto mais desejam, ainda que muitas vezes não o admitam – podem tender a destravar demais, perdendo a noção do ridículo. Além de poderem ser injustas e abusadoras da paciência alheia. Tudo na vida é uma questão de balanço. E neste parágrafo está mais presente um exame de consciência do que o apontar o quer que seja a outrem.
Fica em agenda, para se for preciso bater pela enésima vez na mesma tecla. Teimosa como uma mula, dizia a Eca. E chata como a potassa, acrescentas tu.
Se fosses peça de gente consequente em termos de hábitos de trabalho e inconsciente da delicada trama de que se faz a saúde humana, habilitar-te-ias a escrever lancinante e delirante romance. Mas ainda em fase de devaneio já vais conjecturando: ui, nem pensar, chega uma novela. Aliás, é melhor um conto e não se fala mais nisso. Até por já teres explicado aqui nas Comezinhas que isso de criar produto consumível com base em alucinações, seja porque via sejam provocadas, não é a tua praia. Mas lá que às vezes te passam umas ideias malucas na cabeça, passam. E será que estão todas já vistas e revistas?, tão na moda estiveram sempre os desvarios sem sentido, tantas vezes classificados de muito talentosos e premonitórios. Sabes tão bem que metade do talento e da premonição se deve ao factor sorte, ao alinho com o sopro do vento e afinação dos sentidos, aos quais é alheia a vontade das peças de gente. Ah, genial, diz-se. Genial como o dente-de-leão. Frágil e posta na mão do destino, assim é a criação.
De qualquer forma, fica aqui em modo de agenda, sem carregar o post nessa qualidade: a ver se um dia fazes uma entrada maluca - há quem sorria, pensando: o desafio em ti seria fazer um post que não fosse tolo. Afinal nem romance, nem novela, nem conto, apenas um postal daqueles difíceis de cortar por aproveitar o selo, por se escrever transversalmente sobre o previamente escrito (um dia explico, não sei se já contei). Poderiam ser vários os disparos mentais para uma “história”. Aqui fica a receita de uma hipótese de “história” ao acaso. Ingredientes: Cristo ou demente, a escolher no momento; manipulação de massas e inversão do sentido do poder: todos com acesso ao conhecimento, salvo a peça de gente que desconhece e tem a chave da salvação da humanidade. Visto e revisto, dirá alguém. Talvez não, responderás. E assim fica feito o tal post – apodem-no de preguiça, tu vais baptizá-lo de dente-de-leão.
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