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Desembucha, vá. Começa lá a entrada de hoje. Vieste a andarilhar pela rua para vir trabalhar e a moralizar, afinal tais pensamentos dariam um postal. Maçador é certo, mas dariam. Fica aqui como mais um tópico de agenda – hoje vais colocar o cerebrozito azul e tudo para dar algum formalismo à coisa. E seria então uma alusão à forma como em pequena foste educada a saber que uma senhora, sendo dona de casa onde recebia convidados, se não deveria estar desleixada, jamais deveria exibir traje a mais. Deveria ater-se a um trapinho que não constrangesse, mas também não ofuscasse quem recebia. Mais do que dar exemplo, lição que todos acham ter aprendido e capazes de praticar, deveria respeitar as visitas, preocupar-se mais com elas do que com a sua imagem. É certo que se nunca te soubeste vestir, muito menos segundo as modas, resta-te a consolação destas outras aprendizagens, mais subtis e cada vez mais longe do espírito que vinga nos dias presentes. Talvez seja por isso que continuas a não compreender os conselhos de quem explica (palavra tanto mais usada com parcimónia e prudência quanto maior for a consciência) como se come, como se lê e escreve, como se veste, como se viaja, como se ama (tinhas escrito as palavras gastronómicos e indumentária e dá-te um trabalhão mudá-las para aclarar o discurso) – escreveste isto no segundo capítulo do fraquinho O Livro dos Três Princípios, e na altura estavas longe de saber que te ias deparar tão quotidianamente com estas pechas. Em suma, seja no papel de anfitrião seja de conviva o estar em bicos de pés, dando-se por exemplo de precocidade, perfeição, bom comportamento, graça ou talento (enfim, superioridade) são absolutos ridículos e menoridades. Revelam falta de (boa) educação no melhor dos seus sentidos e também falta de inteligência, atitudes como estas: ah, que bem que eu cozinho ou como ao contrário dos incivis, que bem e tanto que eu leio e escrevo ao invés dos ignorantes, que bem que me visto e me distingo dos pirosos, que bem aproveito as viagens e me distancio dos parolos, que puro sou ao amar ao contrário dos tontos. Há uma diferença grande entre dar o ar de civilizado e sê-lo, apesar de não ignorares que cada um tem direito às suas peculiaridades – e céus, aos seus defeitos. Só que lá está: quem atira muitas pedras ao telhado do vizinho arrisca-se às pedradas no seu próprio telhado.
Bom, foste muito além do espírito de agenda. Mas assim vai ficar. Que outro assunto te acorreu no percurso pedestre matinal? As mulheres e a atenção. Podias dizer o ser humano e a atenção, mas preferes focar nas mulheres, ainda que sob o risco te associarem algum tipo de misoginia. Também aqui é uma questão de dose. Se é verdade que uma mulher a quem não é dada atenção ou não é amada tende a amarfanhar as suas potencialidades emocionais e intelectuais, não evoluindo nestas duas vertentes, não é menos verdade que aquelas nas quais recaem a atenção e o desvelo em abundância e não em número – tudo quanto mais desejam, ainda que muitas vezes não o admitam – podem tender a destravar demais, perdendo a noção do ridículo. Além de poderem ser injustas e abusadoras da paciência alheia. Tudo na vida é uma questão de balanço. E neste parágrafo está mais presente um exame de consciência do que o apontar o quer que seja a outrem.
Fica em agenda, para se for preciso bater pela enésima vez na mesma tecla. Teimosa como uma mula, dizia a Eca. E chata como a potassa, acrescentas tu.
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