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Espaço e tempo para dizer o menos possível. Ou talvez não. Sempre haverá o que dizer.
Espanto-me sempre. Sei que não devia. Se pertencesse a este tempo - à mundividência que cerca e consome os dias presentes – acharia tudo normal e até teria aderido, representando o papel de mulher ideal, de mãe perfeita e modelo de comportamento. Mas é mais forte do que eu. Dando uma olhadela às relações entre homens e mulheres dou por uma evidente e feroz dicotomia.
Elas apresentam-se como maduras, seres sensatos e equilibrados versus os infantis homens, sempre precisados de ajuda e orientação materna. No modo como falam, como vestem, como se comportam na estrada, à mesa, nas reuniões de trabalho e sociais. As mulheres mostram-se conhecedoras e cumpridoras das regras versus os desregrados masculinos, a precisar de estímulo para ir ao ginásio ou para obedecerem à dieta saudável. Elas cuidam-se e são elas que, face ao natural desalinho dos homens, os ensinam a cuidar-se.
A feminidade confronta-se com a masculinidade como se a linha divisória estivesse nessa apetência natural da mulher para a disciplina, a sensatez, a obediência e o cuidado. De um lado as puras mulheres, do outro os corrompidos homens. Só a eles é permitido serem impuros. A dicotomia é defendida – consciente ou inconscientemente - por muitas mulheres, senão pela maioria, mas serve e interessa sobretudo a muitos homens. Porque se traduz na liberdade zero para elas. E é sem liberdade que muitos homens gostam de ver as suas mulheres. Apesar das excepções este ainda é o padrão vigente.
Os homens adoram o cliché, desde logo, por preguiça. É muito confortável ver as mulheres como mães. Tenham elas a mesma idade, mais dez anos ou menos vinte. Ao lugar-comum chamam feminidade. A vida fica mais fácil, mais previsível. Lidar com o lado livre das mulheres custaria bastante mais. Custaria o próprio pêlo ter que trabalhar o imprevisto, a incerteza, a perda. Ter que se esforçar, que por a cabeça a funcionar, aprender não só a seduzir, como a descobrir, conquistar e segurar. Enfim, a correr riscos.
É muito mais fácil o dado adquirido de uma mãezinha sempre disponível para, nas versões mais submissas, o papel da masoquista condescendente com as infantilidades do menino, nas versões dominadoras, o papel da desinibida educadora do travesso menino. Sendo certo que numas e noutras é anulado todo o lado feminino espontâneo e instintivo da vontade própria da mulher, seja brava ou meiga.
E é curioso ver que decorrido o século de emancipação da mulher, o século que elevou o corpo, a imagem e a sexualidade a temas de eleição e exibição constante e com todo o alarido da igualdade de género e das quotas, pareça vedada à mulher a têmpera não teatralizada. É extraordinário ver como as mulheres se negam a si próprias - em homenagem a uma imagem traiçoeira de feminidade -, os prazeres do erro, do excesso, do vício. Numa ideia: da vontade. Para se transformarem em amas-secas de homens que temem a liberdade das suas companheiras. Felizmente, nem todos. Nem só de inseguros se faz o mundo masculino. Ainda há uma réstia de esperança para as impuras e para o futuro das mulheres em geral.
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