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Até breve

por Isabel Paulos, em 18.08.20

Até breve

por Isabel Paulos, em 18.08.20

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Escrevo as linhas seguintes com a perfeita consciência de que textos como este – pessoais e explicativos do afastamento temporário – são tidos como menoridades desnecessárias, mas isso não me aquece nem arrefece. O certo é que de manhã estava a pensar com os meus botões quais seriam os próximos escritos das Comezinhas. Em mente tinha alinhavado grosso modo o apontamento sobre a diferença entre sentir e perceber como se faz música e conhecer a história ou percurso do compositor, músico ou bandas; a distinção entre o prazer de ler e escrever e saber quais são os géneros literários e o rol de autores e ideias recomendadas; a distância que vai entre catalogar uma pintura com esta ou aquela corrente e o distinguir a forma como desliza o pincel na tela com aguarela, óleo ou acrílico; a destrinça entre gostar de beber vinho, das uvas, das pipas, dos lagares e discutir rótulos de garrafas. Tudo faz o todo. Tudo é importante. Mas não se sentindo - o trabalho, a fábrica, a arte - de pouco vale dissertar, debater ou pseudo-ensinar conceitos abstractos. E recordei – é uma constante do meu pensamento –, quão artificial e volúvel é a atitude de muitos perante as pessoas, ideias e obras. É-se genial ou um perfeito asno por mero acaso, por jeito ou desagrado ‘amigo’, por apetite ou enjoo momentâneo. Por tique.

Há uns dias pensei também em aguardar pelas férias em Setembro e, com tempo e gosto, mostrar em fotografias a confecção dos jantares durante uma semana. E gravar mais uma pianada. Tinha a ideia de fazer dois ou três postais sobre leituras de ciência, matéria em que sou uma nulidade. A ideia era começar por Heráclito. Mas tudo isso ficará para segundas núpcias (nunca deixo de me lembrar da minha avó quando uso esta expressão). Sobreveio a sensação de que preciso, como agora se diz: ajustar as prioridades.

Ler, escrever, conversar e opinar são-me vitais. E o mundo virtual veio ampliar a possibilidade de expandir esses gostos. Por esta altura, faz vinte anos que a internet começou a ter peso na minha vida. Fui utilizadora antes, mas ocasional. E há dezassete tive o primeiro blog. Devo muito à internet. O melhor e o pior. Conversei milhares de horas por escrito. Troquei ideias, concordei, discordei, chateei-me, alegrei-me. ‘Conheci’ muitas dezenas de pessoas. Nos sítios mais inesperados, entre muito lixo humano, variedade de ideias e percursos de vida, encontrei tesouros - não só pelo talento inato e dedicação ao trabalho/arte, como pelas qualidades humanas. Gente que de outro modo muito possivelmente não encontraria, ou não daria a mesma atenção e vice-versa. Como não tenho aquele bom feitio ou talento de guardar trinta pessoas no coração e manter contacto para toda a vida, os meus amigos contam-se pelos dedos de uma mão – vá, talvez precise de um dedo emprestado da outra mão. Poucas e antigas amizades, na maioria com mais de trinta anos, ou seja, muito anteriores à utilização da internet. Ainda assim, não desvalorizo as amizades feitas virtualmente – sei, aliás, ser bastante dissimulado esse desprezo. Prezo-as tanto quanto as mais antigas. A internet passou a ser – a par das escolas, da vizinhança, das universidades, dos locais de trabalho, dos espaços lúdicos, dos eventos sociais, das viagens, etc., o ponto de partida de ligação entre muitos. E desdenhar ou desprezar isto revela pessoas que estão efectivamente fora do munto virtual, ou – também muito comum –, pessoas que estão absolutamente dentro, mas dissimulam por preconceito e ainda se encontrarem em estado de negação.

Tal como prezo, desprendidamente, os ‘conhecidos’ virtuais. Desde criança oiço falar em ter relações ou boas relações. Como diz o outro: é coisa que não me assiste. Não sei fazer relações nem ter boas relações, muito menos chamo a isso ter amigos. Aos amigos escrevo, falo ou estou de quando a quando, quero saber deles, preocupo-me e sei que a inversa é verdadeira. Imagino que ter boas relações – ter muitos amigos - esteja muito longe disto.

Como é natural o reverso da medalha também existe. Lado a lado de muita gente boa, há verdadeiros canalhas. O meio virtual é propício à ofensa, à mentira, à cobardia e à pulhice. Nalguns casos, como não podia deixar de ser, gente muito interessada nas boas relações. O melhor que temos a fazer é aprender a evitar esse tipo de gente. O bom de envelhecer é que começamos a sentir-lhes o cheiro à distância, a tempo de não provocarem estragos. Mas isto não é, definitivamente, o que mais interessa. Melhor é aproveitar a companhia e sabedoria de muito boa gente, de que não usufruiríamos de outro modo.

Durante cerca de doze anos estive fora do mundo virtual, isto é, sem intervir. Sem conversar, sem debater. Quieta. Mas nunca perdi o hábito de ler jornais e blogs. Mantive-me apenas como leitora. O que escrevi foi  para mim e não para os outros. Há menos de dois anos voltei a conversar e dar bitaites. Depois criei as Comezinhas. Mais do que agora se chama exercitar as competências sociais, busquei uma forma exercitar a escrita. Um gosto antigo, mas pouco trabalhado. Nas Comezinhas aproveitei para publicar o que tinha escrito nos últimos anos. Na altura, perguntaram-me por que não tentava publicar à séria. Há várias razões. Primeiro por já ter feito uma tentativa sabendo que dificilmente aconteceria a edição normal e não me apetecer a edição de autor: não tenho o menor jeito para impingir. Segundo, por um pormenor da maior importância: por pouquíssimos que fossem, a Ana Paula teve mais leitores aqui nas Comezinhas, do que algum dia teria numa edição de papel. Terceiro porque já tinha sido lida pelas três pessoas que mais importava lessem. Quarto, por o culto do livro como objecto não ser em mim superior à simples leitura, seja em que suporte for. Quinto e mais importante: a Ana Paula é fraquinha. O próximo – a Quinta -, será melhor e ao terceiro ou quarto estarei no ponto.

Interessa agora escrever melhor e lançar-me na Quinta. Para isso, e porque sou de carburação lenta, preciso de me afastar por uma temporada maior do que as habituais (agora não chega o volto já de poucos dias que coloquei em Dezembro, Abril e Junho). Já percebi que não vou conseguir recomeçar a escrever com o mínimo de seriedade sem me afastar dos blogs, que são extraordinariamente absorventes para uma desregrada como eu. Admito que vai ser imensamente difícil conter-me.

Resta-me agradecer a generosidade aos poucos leitores das Comezinhas, em especial aos mais assíduos, e aos outros autores de blogs, que li e nos quais deixei bitaites: sempre fui muito bem recebida. E, naturalmente, à impecável equipa da Sapo Blogs.

 

Gostei muito deste bocadinho.

Beijinhos e abraços para quem é dessas mariquices.

 

Até breve.

 






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