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Na madrugada do último feriado recebi a mensagem do SNS para a vacinação preventiva do Covid do Nuno. Parou-se-me o cérebro e esqueci de responder o Sim habitual dentro do prazo. Digamos que vi a mensagem e, nem lendo na íntegra, tomei como marcação imediata sem necessidade de resposta, que acabei por enviar já fora do prazo. Às vezes a vida corre bem e ontem à noite chegou o lembrete do SNS para estar presente hoje. Ora, lá fomos. Para evitar deslocações em duplicado pedi para ser vacinada também. Fui colocando a questão a cada momento: logo de início aos seguranças do portão do Regimento de Transmissões. E não, não pode porque só tem 49 anos. A menos que faça 50 até ao fim do ano. Segui comentando com o Nuno: quando te entregarem o formulário tento a minha sorte novamente. E eis que lá chegados me deram o papel dizendo que preenchesse e perguntasse ao entregá-lo.
Pouco depois coloco a questão finalmente a quem tem poder de decisão: não, sim, talvez. Isto é, a espevitada empinocada da ponta metendo-se onde não era chamada: não, não pode, teria que fazer 50 anos nos próximos 10 dias (posso festejar já amanhã se quiserem, até as convido para o repasto, pensei com os meus botões), depois nós é que somos penalizados se houver uma auditoria. Já a paciente e sensata que me atendia de bata vestida, ar educado, dizia com serenidade: só se tiver alguma comorbidade associada, deixe-me ver através do número de utente. Tem, tem comorbidades. E eu, curiosa com essa coisa que é a saúde da máquina que me suporta: já agora pode-me dizer quais são as minhas doenças registadas para o efeito? Não, aqui não são referidas. Há apenas a indicação de ter comorbidades. Ora, radiante com a descoberta que me poupa nova deslocação ao Quartel, pensei: ainda devo constar como obesa. Tanto melhor. Bem-vindos ao mundo do registo e partilha de dados sensíveis. Ou é isso, ou outra doença qualquer do catálogo. Também não interessa nada. A Pfizer para precaver o Inverno já cá canta, que gostei pouco de passar uma semana de trabalho de Maio em sarilhos, sobretudo duas noites com francas dificuldades em respirar. Enquanto o Nuno para meu espanto reagiu muito melhor, com menos dias de dor de garganta e febre. Ele por quem eu tinha tanto medo desde que os médicos me avisaram da gravidade das mazelas nos pulmões provocadas pela perfuração no acidente. Ai que horror, a contar miudezas. Onde já se viu esta vitimização? Já para não falar da questão do mau gosto. Também pensava assim, quando era imbecil. Entretanto cresci.
Agora estamos os dois protegidos, é o que interessa. Tivemos boleia da mãe. Mimos. Ontem fiquei contente por finalmente conseguirmos ser úteis indo depois do jantar a casa da minha mãe para colocar o microondas novo e pesado no sítio e mover a mesa de jantar para a posição da época natalícia. Raramente consigo a proeza de ser útil à minha mãe, que faz tudo para não dar qualquer trabalho a ninguém, especialmente, aos filhos. Metade da minha preguiça resulta de ser filha de uma mãe que sempre fazia tudo, não dando tempo nem oportunidade a que ninguém ousasse ajudar. Por isso ontem foi uma conquista, tanto mais que o meu irmão T. também queria ajudar e é uma dificuldade conseguir vez nesta matéria. Os 15 minutos do recobro foram passados ao telefone com o meu pai, que ligou para me pôr a par dos últimos dias. Antes disso ao almoço recebi mensagens dos meus irmãos N. e F., a almoçar juntos nas visitas às barragens transmontanas. Mais cedo estive a ver a fotografia de nós os seis num almoço há um par de anos promovido pelo T. Decidi que vou imprimi-la para a ter por perto. É uma raridade nos últimos tempos: só nós os seis juntos, pais e filhos.
Antes de chegar a casa fui ao Froiz para me desgraçar. Comprei chocolate. Uma vez chegada a casa comi um pouco e enjoei logo. Tirei a mala de cima do guarda-fatos com ajuda e estive a embrulhar os presentes de Natal dos pais do Nuno e da filha, com ele a compôr o agrafador de cada vez que eu o encravava - o bom de viver com uma pessoa tranquila e de bom senso é também a calma com que resolve as pequenas questões enervantes com que lido mal. Desceremos a Lisboa no próximo fim-de-se-semana. Em rigor, a Almada. Comprei os bilhetes por telefone com antecedência como de costume. No sentido da marcha e perto da porta. Com as benesses todas a que temos direito por vivermos num país civilizado – e pensar que durante os primeiros anos não me ocorria pedir os descontos a que o Nuno tem direito e eu por tabela como acompanhante. Enfim, vivendo e aprendendo.
Por fim, refiro apenas que na noite passada sonhei com uma loja e que escolhia meias de lã para o Nuno. O par de pretas não podia ser, porque ser uma L diferente da outra L (fiquei a saber que nos sonhos as meias são S, M, L e XL, e dentro dos L há sub-tamanhos). Acabei por escolher umas pardas, hesitando um pouco por não as achar especialmente bonitas. Ao acordar li as interpretações, mas seria escusado. A preocupação que o Nuno esteja confortável é justificação mais do que plausível. Além de mais, há dois dias reparei que reina a confusão na gaveta, pelo que tenho de organizar as meias, procurando por à mão de semear as mais quentes.
E agora como dizer isto? A exposição. A consciência destes diários e de quase tudo quanto faz parte das Comezinhas serem altamente apetecíveis para a cusquice. De muito poucos, vá. Mas são pormenores de vida, como os de outras pessoas, que atraem a curiosidade em conhecê-las. Não me faz mossa essa intromissão consentida na vida de outrem. Até por representar humanidade. É natural. É simples. Pormenores de vida comuns a tantos, banalidades. Apontamentos comezinhos que não movem as grandes questões universais, mas dizem mais do mundo e da vida de todos enquanto colectivo do que as opiniões, as teorias, as grandes teses. Saberão muitos dos que consideram proteger-se de tais exposições, reservando tudo quanto é íntimo que, a cada tese ou opinião sobre outros, se revelam bastante mais, até em particularidades, do que eu a falar da gaveta das peúgas cá de casa?
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