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Diário

por Isabel Paulos, em 23.02.23

Acabo de ligar o aquecedor ponderando se aqui vou estar tempo suficiente que justifique o gasto. Este mês a factura da luz aumentou. Nos últimos anos até achei que estávamos a dosear os custos, sendo as contas mais simpáticas. Recordo-me de em Bessa Leite gastar mais, apesar do fogão ser a gás. Aqui é tudo eléctrico, o que me agrada, deixando-me contudo dependente de uma única fonte de energia, situação que não é aconselhável. Duas observações. A primeira para dizer que não se costuma considerar educado falar de aspectos financeiros pessoais em público. O que é estranho. Ao contrário da maioria dos meus compatriotas que gostam sempre de dizer que em Portugal é assim e lá fora é assado, não sei como é lá fora, por nunca ter vivido tempo suficiente fora do meu país para tomar pulso aos hábitos arreigados. De qualquer modo, há sensações. E, claro, a verdade universal de em todas as partes do mundo haver gente com educações muito diferentes, de nos quatro cantos do mundo haver gente mais e menos educada. Mas em termos genéricos dizem-me elas, as sensações, que povos mais criteriosos, com costumes prudentes e racionais, não fogem à discussão e ao enfrentar das questiúnculas económicas. Dos aspectos práticos da vida. Coisa pouco apreciada neste país de poetas de quadras em verso de pé quebrado. Talvez seja por isso que alguns países sejam mais desenvolvidos, mais ricos e alguns povos gozem de melhor qualidade de vida. Por cá falar de dinheiro, sobretudo com realismo e verdade, é falta de educação, como era para alguns na primeira metade do século passado falar de doenças. Uma das minhas bisavós quase teve um chilique - contido, obviamente -, ao ouvir à mesa de jantar alguém referir-se a uma dor de dentes. Ficou vexadíssima pela má-criação. Compreendo-a perfeitamente: em novita quando num jantar em casa de um ex-namorado, com a família dele, vi circular uma pomada para zonas íntimas no final da refeição, fiquei para morrer, apesar de ter sabido disfarçar, de já estar na casa dos 20, de até então já ter presenciado muito que pasmasse a maioria dos conterrâneos e por natureza ser pessoa pouco dada a mariquices e etiquetas que tais. Mas quão absurdo será falar disto num tempo em que à hora do jantar se atira na televisão com publicidade a pomadas para a candidíase vaginal, e para quem logo no primeiro emprego a fazer sondagens políticas se viu forçada no meio do questionário a perguntar aos entrevistados se conheciam certa marca de laxante? Brilhante. Além disso, a maioria dos conterrâneos pensará: mas onde está o problema?, por considerarem este tipo de sensibilidades coisa de gente esquisita, anacrónica e hipócrita, o que remete para outro momento grande da minha experiência de vida quando, aos 14 anos, no Instituto de Línguas Lencaster College o professor Nick comentava não se habituar à visão dos portugueses cuspirem no chão, ter assistido à reacção de uma colega, dizendo: então, para onde é que a gente havia de cuspir? Julgo que no momento corei por ela e pelo país inteiro, e ainda hoje sinto um nojo imenso quando passo por um desses selvagens na rua.

Bem, eram duas observações, mas estendi-me tanto na primeira, que me esqueci da segunda. Vou reler para ver se me recordo. Até já. Voltei e não me lembro. Passo por isso para outro item, ficando apenas presa ao tema anterior por espanto: quando é que ia adivinhar que contaria aqueles episódios? E porquê hoje? Não faço a mais pálida ideia. Saiu hoje. Os astros conjugaram-se e fizeram-me expelir estas lembranças agora, como podiam ter aberto outras gavetas da mioleira. Não faço esforço, a coisa “flói”, por isso não deve ter valor. Como se sabe tudo quanto tem valor exige esforço e é sofrido. Ora tudo quanto escrevo agora é apenas fruto de lembrança puxa lembrança, associada à falta de vergonha na cara para deixar fluir.

O item novo e simples, em três linhas. Como aspectos mínimos na vida nos podem fazer sentir bem: a capa nova do telemóvel e o novo filtro dão-me todos os dias a sensação de limpeza e mudança. Gosto. E foi uma pequeníssima alteração no quotidiano.

Ainda uma ideia básica, já expressa num post anterior. Como navegamos na máquina do tempo e do espaço pela leitura. Estamos em Fevereiro e ainda não comecei a ler novos livros. Isto é, talvez tenha começado, mas essa parte é irrelevante. Decidi sim, terminar quatro livros deixados a meio ou no fim o ano passado. Há quem deixe livros a meio ou no início por não gostar, eu cometo a proeza de gostar imenso e ainda assim abandoná-los por meses – antigamente eram anos, estou a melhorar, qualquer dia chego ao ponto de os ler de enfiada a todos; então?, tudo é possível se agora acordo antes do despertador. Será preguiça ou tolice, mas é assim mesmo: deixo os livros a meio ou no fim. E que universos temporais e espaciais me chegam à mioleira através da leitura desses quatro livros? O Brasil do século XIX, o Afeganistão da viragem para o século XXI, o Oriente ao longo dos milénios e Inglaterra há 100 anos. E querem que os leia de enfiada? Preciso de dar tempo às personagens e ao autor para se ambientarem ao meu tempo e confesso: o que menos me interessa é saber da intriga e do final da história. Na adolescência sim, e talvez na juventude, até saltava directo para o fim. Cada vez me interessam menos as miudezas e mais o tutano da vida, saboreá-lo como quem chupa o interior do osso da galinha, nem que seja como os cães, o enterre por meses, para voltar a gozar mais tarde. Pelo meio intercalei umas crónicas bem-dispostas, que estão na mesinha cabeceira só para aqueles dias em que me deito mais cedo e me apetece ler 10 minutos antes de dormir – o tomo das crónicas divertidas lá está há mais de um ano e possivelmente ficará mais um, já que são raros os dias em que leio na cama. Nesta fase prefiro o sofá. Dos quatro referidos há pouco, acabei dois. Nas próximas semanas tenciono acabar mais dois. E só então darei verdadeira entrada aos livros deste ano. Serão poucos, julgo, como usual.

São 23h30 e vou desligar o aquecedor do +1.


5 comentários

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De João-Afonso Machado a 24.02.2023 às 08:52

Está como eu, Isabel, com uma pilha de livros meio lidos na mesa de cabeceira. As próximas semanas serão mais caseiras.
Um bom fim de semana. 
E um beijo 
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De Isabel Paulos a 24.02.2023 às 10:26

Merecido descanso depois das investidas em busca dos blues de Gascogne. :)
Bom fim-de-semana, João Afonso. Um beijo.
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De Isabel Paulos a 24.02.2023 às 11:21

Bleus de Gascogne, digo (o corrector não gosta de francês). 
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De cheia a 24.02.2023 às 16:14

Boas leituras.
Bom fim-de-semana, Isabel.
Beijinhos
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De Isabel Paulos a 24.02.2023 às 17:14

Obrigada, José. Espero que as suas leituras também corram de feição. 
Bom fim-de-semana. Beijinho. 

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