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Duas Notas

por Isabel Paulos, em 26.09.22
  • Independência zero

Com um pouco de atenção e distanciamento bastante dos sujeitos e objectos de análise de muito do que se diz e escreve em português de Portugal é impossível para quem for isento não entender que não só não há o hábito entre nós de ter opinião independente como ela é malquista. Os exemplos de personalidades independentes dados pontualmente por quem tem voz na nossa praça são de um ridículo só. No passado como no presente os ditos grandes pensadores independentes estiveram sempre encostados ou eram devotos do clã preponderante na sociedade portuguesa. O facto de serem estudiosos, intelectualmente preparados e usarem um estilo belicoso de escrita ou oralidade não faz deles gente independente. Não só estavam e estão bem calçados como têm rol de discípulos prontos não a beber dos seus ensinamentos, mas a bajulá-los sem sentido crítico de espécie alguma, por pura necessidade de criar frisson.

Com objectividade, e não pessimismo, afasto qualquer possibilidade de fazer ver a mais singela realidade. Apesar disso expresso a ideia uma vez mais para registo futuro. Neste mundinho pequeno em que melhor ou pior todos se conhecem não só de maus-caracteres é feita a corrente dominante e a prepotência dos interesses. Gente bem intencionada não resiste ao encosto e ao conforto se de dar bem com todos. Uma forma muito nossa de brandos costumes e, no fundo, de desonestidade – aos portugueses falta o "danoninho" para serem decentes apesar de usarem a palavra "decente" ou sinónimos amiúde como se soubessem o que é. Todos admiram muito todos na exacta medida em que isso beneficia as suas pequenas ambições. Todos, numa massa mole de cobardia, calam as sujeiras que conhecem para não prejudicar aspirações próprias.  Quando muito soltam uma verdadezita aqui outra acolá em conluio com a sua tribo, de costas bem quentes, e sempre para queimar algum sujeito que passe a malquisto por razões de conveniência e de sobrevivência das matilhas preponderantes.

E elogiam-se os "corajosos" que de modo desabrido ajudam a enaltecer a corrente dominante de pensamento, simulada num ou noutro toque alternativo ou de vislumbre genial forjados no momento para dar o ar de desalinho. Vale a aparência de independência e nunca a propriamente dita. Essa será irremediavelmente mantida a distancia prudente como se fosse lepra, por medo de contágio. A independência verdadeira será sempre convenientemente etiquetada de lunática e infundada, uma fraqueza de gente inadaptada do mundo normal.

  • Enquadrar

Basta a morte de uma personalidade ou uma qualquer efeméride para darmos de caras com enquadramentos assustadores. Os mortos e homenageados nas efemérides dariam voltas de cobra no caixão se ouvissem as palavras a si dirigidas. Um acumulado de lugares-comuns que dizem muito mais da educação ou falta dela, da experiência de vida e das aspirações dos obituaristas e lisonjeadores da praça do que das individualidades sobre as quais se debruçam. É um deserto árido, sempre mais do mesmo, a diferença que decorre entre a vida e o carácter dos homenageados e aquilo que sobre si é dito seja por total incompreensão do mundo dos primeiros seja pela aspiração dos lisonjeadores - ou dos detractores, também existem -, a dissertar sobre aquilo que desconhecem.


10 comentários

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De cheia a 26.09.2022 às 15:33

Totalmente de acordo. Para ser independente não pode esperar nada em troca.


Boa semana, Isabel.
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De Isabel Paulos a 26.09.2022 às 16:19

Sim, José. É preciso estar disposto a abdicar de mordomias e das palmadinhas nas costas.
Boa semana.
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De João-Afonso Machado a 26.09.2022 às 15:44

Inteiramente de acordo. A todos os níveis vivemos de chavões: «Então é assim:...»; «dizer que...» e outras «janelas de oportunidade».
E os mortos dão imenso jeito sobretudo para aparentar isenção e justiça... que geralmente não lhe é feita em vida.
Beijo Isabel.


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De Isabel Paulos a 26.09.2022 às 16:28

Os exemplos são os óptimos, João Afonso.
A bengala "é assim" é reveladora. É começar a frase logo de cima para baixo, como se fosse trazer a luz aos ignorantes.
Quanto aos mortos, fico com a ideia de que são quem menos interessa a quem deles muito fala. Meros pretextos para brilharetes.
Bom começo de semana. Um beijo.
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De /i. a 26.09.2022 às 21:40

Se assumissem as suas ideologias eram mais respeitados. O problema é que como eles próprios fazem rótulos errados, têm medo que também sejam associados a quem estão a fazer o frete para mais tarde colher os frutos. 
Depois faz-me confusão um conselheiro de estado, com informações privilegiadas que as utiliza a seu bel-prazer, fazer comentário político nas tvs e na imprensa escrita. Ou se é uma coisa ou outra. As duas,  eticamente não é aceitável. 
Os mortos... pois são todos bestiais quando nunca o foram em vida. São os comentadores light que repetem sempre a mesma coisa sem a mínima preparação estudiosa necessária para se fugir à banalidade e também não devemos esquecer os jornalistas,  a SIC ganha o troféu de péssima cobertura do funeral da Rainha.  Reportagens medíocres,  cheias de observações ridículas, repetição de apontamentos básicos sobre as cerimónias, com informações tiradas do Google sem a preocupação de as aprofundar.  
A qualidade diminuiu muito: tanto do jornalismo, como dos comentadores. 
(Acho que se nós as duas fizéssemos um podcast de comentário de um ou dois temas que marcam as semanas, teríamos maior preocupação em fundamentar as nossas opiniões com um trabalho de pesquisa mais profissional). Há muita preguiça e pouco brio na comunicação social, neste momento. 
Beijinhos. 
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De Isabel Paulos a 26.09.2022 às 23:17

Ainda ontem dei por mim a reparar no conselheiro de estado, pastor dominical, que vou ouvindo até para medir o pulso à opinião que se vai disseminar na semana seguinte, e também, admito, por ser bom ouvir quem teve importantes cargos governativos e sabe como se cozinham os factos políticos. Continua a ungir o líder do PSD reconhecendo inegável habilidade para fazer oposição. Há gente que assim, que nasce para os cargos já abençoada pelos fazedores de factos políticos: uma palavrinha no jornal de Domingo, um retoque retórico na imprensa, um jeitinho nas redes sociais e blogues vips e lá vai o menino ao colo (nem sequer tenho nada de muito especial contra Luís Montenegro, mas registo o modus operandi neste caso desde a primeira hora).
Da SIC na morte da Rainha Isabel II nada de substancial mudaria se substituíssem os jornalistas que apresentavam as reportagens pelos entertainers do programa Passadeira Vermelha (deixariam a coisa aos cuidados de Cláudio Ramos (estou desactualizada). Virei de canal ou desliguei a televisão sempre ao fim de poucos minutos, salvo uma reportagem na primeira pessoa cujo nome não me lembro (fui tentar pesquisar, mas não encontrei), o discurso do rei e os do parlamento. Ah, também me mantive a ver os cumprimentos de pesar à porta de Buckingham Palace, mas apeteceu-me fazer como nos jogos de futebol: tirar o som.
Beijinho, Isabel. Boa semana.
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De Isabel Paulos a 26.09.2022 às 23:20

Quando nos reformarmos temos que pensar nisso do podcast.
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De /i. a 30.09.2022 às 23:17


É melhor não... éramos logo censuradas. O lápis azul anda sempre por aí. 
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De O apartidário a 29.09.2022 às 08:32

Na mouche   "Neste mundinho pequeno em que melhor ou pior todos se conhecem não só de maus-caracteres é feita a corrente dominante e a prepotência dos interesses. Gente bem intencionada não resiste ao encosto e ao conforto se de dar bem com todos. Uma forma muito nossa de brandos costumes e, no fundo, de desonestidade – aos portugueses falta o "danoninho" para serem decentes apesar de usarem a palavra "decente" ou sinónimos amiúde como se soubessem o que é. Todos admiram muito todos na exacta medida em que isso beneficia as suas pequenas ambições. Todos, numa massa mole de cobardia, calam as sujeiras que conhecem para não prejudicar aspirações próprias.  Quando muito soltam uma verdadezita aqui outra acolá em conluio com a sua tribo, de costas bem quentes, e sempre para queimar algum sujeito que passe a malquisto por razões de conveniência e de sobrevivência das matilhas preponderantes."

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