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Quando começou o dia de trabalho às nove e meia pensei colocar uma música no blogue, um banal vídeo do YouTube. Como acontece às vezes, à falta de inspiração para o descobrir, liguei ao Nuno para pedir uma ideia enquanto ia tratando das primeiras tarefas. Acontece muito estar ao telefone - com chamadas profissionais a maioria das vezes, mas pontualmente com pessoais -, a trabalhar e a ouvir música tudo em simultâneo. Erro, erro crasso, dizem os iluminados; há que concentrar numa tarefa única de cada vez, os que tratam de vários assuntos em simultâneo jamais conseguem trabalho de qualidade. Seja, vénia aos sábios do tempo e da perfeição. Um dia quando for grande quero uma vida assim, em que possa escolher ser iluminada. Nesta encarnação, compete-me ser burra de carga alguns dias por mês e nos outros sossegar um pouco e até fazer um nada de ronha. E pensam os inteligentes e os arautos da psicologia aplicada ao trabalho: só pode ser má gestão do tempo. Se soubesse seguir regras simples, utilizá-lo-ia de uma forma mais racional. Sempre que vejo esses conselhos, percebo que quase todos passam por descartar responsabilidades, transferindo-as para diante ou para outros. É a ideia genial dos conselhos nesta matéria – variante do pensamento socrático sobre dívidas públicas: não são para pagar, são para se ir pagando. Voltando ao início do dia e à música: o Nuno sugeriu Adele, que resolvi ouvir antes de postar. Sucede que a atenção nas tarefas me fez perder ideia de a passar nas Comezinhas. Ainda me recordo da sequência aleatória que se seguiu no YouTube; passou para Norah Jones. Gostei desse bocadinho; bem precisava dele para sossegar o dia que se avizinhava. Ainda passei por Chopin, com aquele efeito anestésico que me faz sempre imaginar que conseguiria cometer atrocidades ao som de uma das suas composições para piano. Misturo a imagem do Padrinho e as festinhas no gato. Parece-me ajustada a ideia, aquela paz e serenidade tenebrosa capaz das piores atrocidades. É assim que caracterizo um certo tipo de espírito de música e de atitude face à vida. Tão tranquilo, tão tranquilo que só pode ser gélido e desprovido de sensibilidade. Há pessoas assim, que falam baixinho e doce, pausado, e trazem em si mesmas um facínora e todas as respostas do universo. Até mesmo Chopin teve de ser desligado. Começou a sucessão infernal de telefonemas, emails, conferência de contas e demais tralha que até me dão gozo se forem com conta peso e medida, mas hoje era um dos dias no mês de cúmulo de tarefas – há outros bastante mais sossegados. A maioria. Tentei almoçar em casa, mas uma vez sentada à mesa entre correrias quase não consegui engolir. De tarde a coisa piorou ainda mais por ter sofrido pressão. É sempre bom ser espicaçada quando me falta o tempo para respirar. Dá logo uma boa disposição bestial. A meio da tarde consegui finalmente comer uma maçã. E foi assim na lufa-lufa até às oito da noite.
Há 10 minutos pensava que não conseguiria escrever nada, de tão cansada e com vontade do quentinho da cama e do edredão e da dureza do colchão para endireitar as costas moídas. Era tudo quando desejava há 10 minutos e almejo agora. Mas consegui escrever estas linhas da rajada. Importantes, só podem ser indispensáveis. Ainda que não sejam, fica o registo do dia e o treino de justaposição de palavras. Só falta uma revisão rápida para corrigir os erros que me saltem aos olhos.
O amanhã será parecido com hoje. Mas depois ficarei quatro dias em casa. Acho que mereço.
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