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Hoje é dia (em rigor, é noite) de falar daquilo que me encanita. Cada um tem as suas irritações de estimação e não fujo à regra.
A desconsideração dos mais velhos.
Tratar os mais velhos como crianças de colo, como pessoas com baixo coeficiente cognitivo ou como parasitas bole-me com o sistema nervoso. Percebo que se seja mais simpático com os mais velhos, que se tenha mais mesura ou mais delicadeza. O que não percebo é que se infantilize a terceira idade. Acho uma atitude estúpida e desrespeitosa. Quantas vezes assistimos aos mais infelizes comentários – atirados do cume da insolência - a desconsiderar os mais velhos. Exemplifico:
Ah, mas um smartphone básico para uma pessoa de idade é mais aconselhável, e ainda temos os de teclas.
Ah, boa. A senhora sabe usar o contactless.
Ah, mas vai fazer a viagem de carro sozinha? E se lhe acontece alguma coisa?
Vai pedir crédito aos 65 anos? Que absurdo.
E há quem assista a estes insultos impávido e sereno por viver numa realidade protagonizada por velhos actores, mas com argumento feito por ganapos que pouco ou nada sabem da vida.
A desconsideração das ‘meninas’
Aqui os promotores das ofensas costumam ser homens mais velhos que se consideram bem-sucedidos. É uma raça fácil de identificar por grande parte da sua pose assentar na desconsideração de quem julgam estar uns furos abaixo. A ofensa dissimulada é essencial para continuarem tão contentes consigo próprios, como aparentam. Ninguém daria por eles se não esticassem o nariz e pusessem ar de enjoado ao olhar para as sopeiras, as meninas ou as petulantes. Acham-se importantíssimos por razões várias, ou por serem empresários e terem enriquecido, ou por terem nascido numa família bem instalada e não terem tido de se cansar, ou por se considerarem intelectualmente bem preparados, enfim, há uma infinidade de razões para o ar de presunçoso que apresentam. Na generalidade são pouco mais do que calhaus, mas espertíssimos. Sobretudo, espertos o suficiente para perceber que vivemos num País onde quem abusa é rei e vinga.
Num País dissimuladamente machista, quantas ‘meninas’ não levaram já com estes presunçosos nas faculdades, nas chamadas telefónicas ou reuniões profissionais, ou até em conversas informais entre amigos. O ponto comum é este: o presunçoso parte sempre do princípio que a ‘menina’ que tem à frente é ignorante ou estúpida, coitada. Nasceu mulher e é do tipo que nunca irá longe. Tudo tem que ser explicado como se fosse demente. Pouco importa se a ‘menina’ for bastante mais inteligente, preparada, tiver mais capacidade de trabalho do que o dito cabrão, porque para ele ter sucesso ou ir mais longe é ser parecido consigo, o que corresponde na versão feminina a ser uma cabra. Coisa com que muito fantasiam.
A desconsideração das categorias económicas
É um hábito enraizado nos últimos trinta anos talvez. A categorização por escalão económico substitui a divisão do mundo entre ricos e pobres e é tão ou mais ofensiva e redutora.
Não raro vemos os novos cientistas – das ciências sociais – ou os técnicos de marketing a fazer estudos com escalonamento das pessoas segundo critérios económicos ou académicos. Chamemos-lhe: contar as galinhas. Depois a coisa extravasa para os políticos e jornalistas e dissemina-se como um praga.
Não há gente com educação, interesses, percursos de vida e hábitos diferentes. Não. Isso não interessa ao mundo executivo moderno. Os critérios para aferir do sucesso de um cidadão são o rendimento e o grau académico. Ou subgéneros que servem, sobretudo, para apaziguar as ambições frustradas dos catalogadores, como é o caso dos suburbanos, tidos como economicamente desfavorecidos, sendo que podem ter bastante mais qualidade de vida do que os citadinos.
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