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Com imaginação presa à rotina das paisagens trilhadas, pintaste o sol de amarelo a que se seguiu o mar azul. Tudo composto no devido lugar. Aconteceu no Museu Teixeira Lopes e passaram mais de trinta anos. Uma das professoras aproximou-se e despejou: que estás a fazer? Isto é aguarela, solta a mão, solta. Ao mesmo tempo pegou-te no braço e atravessou o pincel molhado de mar no teu sol cativo de doirado. Mas, mas. Não pode ser, pensaste sem coragem para verbalizar o motim interior em voz alta. Aquela mulher tinha acabado de te destruir a aguarela: o sol pingava azul. Há mais de trinta segundos, estiraste-te no sofá e olhaste para cima da televisão, desligada como de costume, leste a palavra imaginary, inscrita a preto desvanecido na rodela aos gomos de madeira, a lembrar as pipas de vinho, de propósito pintada a tinta carcomida. É o relógio a que há anos tiraste os ponteiros depois de, numa das infindas arrumações da sala ou mudas de casa, teres avariado sem querer o motor de tão esmerada máquina, made in China. Tiraste os ponteiros ao relógio e à vida. E, céus! Que bem ficam os sóis a pingar de azul e os relógios feitos de quietas tampas de pipa.
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