Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]
Big Brother. Cada um à sua medida possui quota de exibicionismo. Não é que precises de companhia ou justificação, mas sim, não escapas à regra. Há três horas, após o jantar, sentaste-te na varanda e logo pensaste numa fotografia para o blogue, ou talvez num vídeo com o tilintar da colher a bater na xícara enquanto envolvias o açúcar no café. Qualquer coisa para registar a magia do momento em véspera de Lua Cheia, magia que se perde por ser exibida. Ou será que não perde? Neste universo onde todo o reservado ou íntimo é exposto e em que muitos apontam o dedo à exposição, ignorando as formas subtis como ostentam putativa sabedoria, rectidão, superioridade, enfim, perfeição. Quando não o próprio recato.
O facto é que saboreaste duas horas de varanda ao som da smooth fm a escapulir-se do rádio de mesinha de cabeceira lá dentro no quarto, bebericando café enquanto a Lua ia surgindo acima do prédio à esquerda, e saboreando um copo whisky à medida que a aragem morna ia arrefecendo de modo a resfriar a pele da nuca e costas, sempre os pontos mais sensíveis, até ao momento das nuvens engolirem-na, fazendo revelar-se apenas por interposta entidade celestial.
Fotografaste e agora contas. Como se isso diminuísse o momento. Como se não fosse verdade a sensação de regresso às noites cálidas de Lua Cheia nas varandas de Sesimbra, de retorno às noites em paz iluminada de Valinhas. Como se não tivesses gozado o momento do tom de voz baixo, se não saboreasses os pequenos ruídos e movimentos circundantes: o cão, o gato, a pedra de gelo a estalar no copo de whisky, os mexericos caseiros dos vizinhos, o motor ligado do carro parado, a lavandaria do rés-do-chão. Como se estivesses impedida de sentir e observar com os tímpanos, as íris e as narinas o que te cerca, só porque o vais descrever em seguida, sem muita consciência disso. Como se não fosse real e veloz o movimento ascendente da Lua que dobrou o terraço cimeiro do prédio em menos de dois minutos. A terra mexe-se rápido gente, muito rápido. Vê-se a olho nu. Será que te deves segurar à mesa do computador? Estarás segura?
Fotografaste lá fora e agora contas cá dentro. Nada à tua volta é elegante e próspero. A varanda e as paredes do prédio estão sem tinta. O prédio é antigo e desnivelado. As traseiras dos edifícios circundantes não preenchem as quotas dos conceitos e paradigmas da arquitectura. Pejadas de marquises que os portugueses pelintras e ex-pelintras, mas sempre deseducados passaram a escarnecer, desde que aprenderam serem pirosas. Instruíram-se com outros portugueses pelintras e ex-pelintras, mas sempre deseducados e em permanentes bicos dos pés e nunca menos do que cheios de si. As plantas não são fulgurantes nem espigam de vasos pomposos. São apenas árvores jovens e sem peneiras em vasos de plástico: uma nespereira e uma japoneira. O pequeno estendal é uma vergonha. Rabujaste quando te deram tal apetrecho. Jamais usarias uma coisa daquelas; varanda não é para esse efeito. “Só é que” ao fim de ano no armário puseste-o a uso por dar jeito todos os fins-de-semana para secar o fato de banho, a touca e a toalha da piscina. O que é importante impõe-se sempre ao artifício.
Nada reluziu por aqui, tirando a Lua que teimou em cintilar antes de ser engolida pelas nuvens e avisar que ia começando a ser hora de recolher cadeiras e vir para dentro porque os resfriados à luz do luar acontecem e a garganta ressente-se.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.