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O espanador - Angola

por Isabel Paulos, em 27.09.20

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7. Angola

Nasci em Angola, vim com pouco mais de um ano. Lá voltei 30 anos depois por umas semanas e é-me impossível um olhar isento. Conheço entre muitos que lá nasceram e viveram, um certo desapego auto-imposto, de quem não perdoa que o país tenha caído no fosso da guerra por 30 anos, que tenha sucumbido à tirania e à corrupção - transversal ao Estado e a toda a sociedade. Que tenha prescindido de muitos portugueses que a tomavam benignamente como a sua terra, não por a colonizarem, mas por nela terem sonhado, acordado, trabalhado, almoçado, amado, feito filhos e adormecido. E talvez também por isto conheça quem tenha resolvido intimamente a ferida emocional e acredite e deseje um futuro melhor para a terra que será sempre sua, apesar da distância.

Quando dei por mim na adolescência, cheguei à conclusão que a maioria dos amigos próximos tinha nascido em Angola ou Moçambique (e os outros tinham forte ligação ao campo ou ao mar). Não nos andámos a pescar, nem fizemos inquéritos sobre as origens para nos aproximarmos. Sempre achei que tinha calhado. Hoje percebo que não há coincidências, basicamente éramos os extraterrestres lá do sítio e naturalmente aconchegámo-nos.

Histórias diferentes, cada uma por si. Havia filhos de quem tinha ido meramente fazer a comissão ou pouco mais, havia filhos de quem decidira lá fazer vida e gente que já ia na terceira geração. Por volta de 1975, antes ou depois, era uma história de destino único: a vinda para a velha, retrógrada e anacrónica metrópole. Para o ‘Enclave’. Isto nos casos que conheci de perto, outros espalharam-se pelo mundo. Destinos como o Brasil, Canadá ou Austrália foram ponderados.

Profissionalmente dou por mim a ser muito mais amistosa e cúmplice com angolanos do que com outras gentes. Não há o que lhe fazer, tocam-me na pele.

Nada em Angola me é indiferente. Quando li na semana passada que a procuradoria-geral da República encerrou vários templos da IURD, por suspeita de branqueamento de capitais, burla fiscal e associação criminosa, fiquei contente. Não desejo uma Angola com os maus vícios do Brasil.

Não sou tão lesta quanto os jornalistas e comentadores da televisão portuguesa a tirar conclusões sobre a actuação de João Lourenço, por saber que naquele país tudo tem que ser tratado com pinças. Já vi demasiadas excitações com as democratizações de basta juntar água para saber que devemos ser prudentes. Não nego que tenho esperança em João Lourenço, mas não esqueço que é um país africano com reservas de petróleo e diamantes, o que faz dele – como fez no passado - um território sujeito ao jogo dos grandes interesses internacionais e à pior sujeira. Sobre João Lourenço acrescento que há um par de anos vi uma entrevista na RTP de que gostei bastante, salvo da parte final em que falando na personalidade que mais apreciava - Nelson Mandela, o que faz todo o sentido -, referiu-se à capacidade de perdão como uma grande virtude dos africanos por oposição aos judeus, que não teriam demonstrado tal qualidade. Estou a escrever de memória, espero não estar a cometer nenhuma injustiça, mas não creio que este tipo de pensamento abone muito em favor do presidente de Angola.

Nos últimos meses soubemos que a polícia angolana a pretexto de aplicar medidas de contenção da pandemia matou sete adolescentes de bairros pobres. E este mês foi a vez de um pediatra, detido por não usar máscara, ter morrido na esquadra, depois de segundo fontes oficiais, ter desmaiado e batido com a cabeça.

Há um longo caminho pela frente a fazer pelos angolanos no sentido da democratização e no respeito pelos direitos humanos.






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