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Folgo em saber que o Governo pondera uma medida sugerida aqui nas Comezinhas a 08-01-2022.
A ler: Empresas que subam salários terão uma “redução selectiva” do IRC, hoje no Público.
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Em matéria de salários direita e esquerda barricam-se em posições antagónicas sem necessidade.
Está certa a direita ao afirmar que as empresas portuguesas são penalizadas por excessiva carga fiscal – além do manancial terceiro-mundista de burocracias - e que assim sufocadas dificilmente podem constituir o motor do crescimento que o país precisa para vingarem melhores salários. É verdade que aumentar salários sem apostar na base de sustentação da economia – as empresas – fomenta as importações e aumenta o endividamento público.
Da perspectiva de esquerda é inegável que os salários em Portugal são miseráveis e não havendo intervenção do Estado assim permanecerão por não haver uma cultura de respeito e retribuição justa pelo esforço e empenho dos trabalhadores. Aliás, o mal não reside apenas nos baixos salários, mas no abuso da precariedade, na carga horária excessiva, na desconsideração pelas qualificações etc.
Ao ouvir Rui Rio – em quem vou votar nas próximas eleições legislativas de 30 de Janeiro - apresentar a proposta de redução do IRC, de 21% para 19% em 2023 e 17% em 2024, ocorreu-me o tenho vindo a pensar (e escrever) nos últimos anos: em Portugal não podemos confiar no normal funcionamento do mercado como advogam os liberais, esperando que os salários aumentem à medida que as empresas se fortaleçam. Salvo honrosas excepções, essa não é a tradição das relações de trabalho entre nós. Os trabalhadores bem podem esperar sentados, aliás, bem desmotivados como se habituaram a viver.
A solução que julgo simples e exequível sob o ponto de vista fiscal é fazer uma discriminação positiva da tal baixa de IRC. Ou seja, premiar com a redução apenas as empresas que façam prova de que uma parte do benefício fiscal obtido desta forma serviu ou servirá para aumentar salários – bem sei que a maioria das empresas portuguesas têm baixa facturação, sendo o impacto muito reduzido, mas a medida teria ao menos nesses casos um efeito de moralização e de justiça básica. É certo que as empresas têm que investir no seu próprio desenvolvimento, seja através de despesas com a inovação, formação, promoção junto de novos clientes ou mercados, etc., mas não podemos esquecer que a base de sustentação da maioria das empresas é o trabalhador – quem faz, quem cria riqueza. Sendo por isso imperioso aumentar a despesa da empresa com os próprios trabalhadores.
O salário é todavia apenas uma das componentes a ter em conta. Outra seria por exemplo a das qualificações. Porque não fazer depender o benefício da descida do imposto a empresas que valorizem efectivamente – também por via do salário – trabalhadores qualificados?
Se não se impuserem regras estou certa que a diminuição do IRC, que parece à partida uma medida adequada, cairá em saco roto perpectuando-se as injustiças.
A ideia apresentada nas linhas precedentes – não sei se alguma vez objecto de proposta por alguém - é viável. Estou certa que haveria inúmeros fiscalistas capazes de desenhar um mecanismo exequível para a colocarem em prática. Parece-me bastante mais interessante do que que continuar com conversa sobranceira sobre os perfis e discursos mais ou menos atraentes de cada candidato ou sobre coligações, as quais poderão nem sequer ser necessárias.
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Leituras complementares
O País, Caldeirada Com Todos..., 4 de Março de 2021.
Momento extraterrestre, 29 de Setembro 2021.
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