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Ouves dizer que não se deve estar preso ao passado. O que isso seja é uma variável altamente subjectiva. Podes viver tanto o presente estando amarrada ao passado ou ao futuro, como se mui ciente estivesses de aproveitar o dia presente. E nem vale a pena entrares no plano da física para desconstruir tudo isto: um dia saberás harmonizar o sentimento ao desencontro entre o tempo da física e o que reza a história e a psicologia.
Olhando para trás quanta admiração pelo que viveste achando que apenas projectavas. A permanente idealização, o tal arqueiro em busca eterna pelo devir que a simbologia astrológica ocidental te escolheu, terá feito de ti menos gente do que se pragmática e persistente teimasses em ser fiel ao que és à luz da imagem do oriental búfalo?
Em sonhos voaste e voas alto. Desististe há muito de piar fino. Sonhas com as estrelas, como se usa dizer. Como recompensa sentes e crês na companhia das estrelas. Na outra mão sofres da estranheza e desconfiança alheia. Do caminho inconsciente encetado em criança e das múltiplas angústias geradas no descalabro abissal entre sonho e realidade total – a que te compreende a ti e aos outros – tomas consciência que o trilho se fez vontade e escolha.
Se os sensatos conselhos te puxam - como criança irrequieta desejosa para brincar ao joguinho em voga -, pela manga da camisola da adequação, o corpo inteiro parte em viagem arrastado pela cabeça para o mundo de recreio que criaste e escolheste.
Há angústia esporádica e medo, pois com certeza. O desajuste tem preço. Mas saberias agora viver de outra maneira? Terias sabido viver no passado de outra maneira? Hoje, depois de um acordar em paz com o que te costuma causar conflito e fúria seguido de um momento de desânimo, deste por ti consciente das marretadas que a vida te deu, independentemente de saberes que te puseste a jeito.
Houve momentos em que tudo soou a fiasco. Fiasco total. Houve momentos em que tudo soou a ciclo perfeito de alegria e harmonia completa contigo, os outros e o universo. E há momentos em que buscas o passado para perceber o que sentiste e já não consegues sentir.
Dos amores passados sobra uma ténue memória feita de curtas imagens, palavras, toques e também da ausência de imagens, palavras e toques. Já não ouves as vozes que te envolviam e por meses ou anos eram as mais importantes da tua vida. E das que não eram importantes. Já não vês as expressões do olhar que por meses ou anos eram tudo. E das que não eram tudo. Já não vês corpos e sombras a quem te entregaste. E a quem não te deste. Não sobra nada, nem as convencionais fotografias e lembranças, porque a tua vida teve pouco de convencional. Nada, ou quase nada. O tempo é implacável. Será que sobra alguma coisa de real? Do que efectivamente foi? Ou só as posteriores considerações que fizeste sobre o vivido?
Do chamado mundo concreto então o hiato entre o sonho e a realidade apresentou-se quase sempre como um despenhadeiro pelo qual caías rolando eternamente. Até ao momento em que a imagem que de ti fazem começou a ser menos importante daquilo que és. Até assentares na ideia que nada fará seres mais nem menos do que és.
Agora vives mais serena do que nalgum momento passado. Compreendida por quem é importante compreenda. Menos compreensiva do que devias com quem devias, aresta a limar. E a dar menos crédito e empenho àquilo e àqueles que não merecem.
Medo do fim? Sim, mas não em qualquer circunstância. Só no caso de o fim te soprar baixinho que as estrelas não existem.
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