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Significados

- actualizado -

por Isabel Paulos, em 03.02.23

Depois de três aulitas de excel vamos lá ao post. Que tinhas tu congeminado ontem de manhã, enquanto conferias conta-correntes? Hum, isso. Recordas que desde sempre procuraste, cuscaste, pesquisaste. Desde o final do século passado sobretudo online. Antes disso nos dicionários, enciclopédias e outros que tais. Ler os outros é sempre um estímulo a buscas várias. Recordas várias pessoas que foste lendo ao longo dos anos – o menos relevante é saber quem, apesar das curiosidades baterem sempre nos pontos menos interessantes – e da forma como repetidamente ias pesquisar os temas abordados. A título de exemplo lembras alguém que citava muito certa poetisa – também é irrelevante saber quem é a poeta. Assim a ficaste a conhecer, hoje sobra uma memória difusa. Já aqui disseste várias vezes que a tua memória é uma peste, mas à época, coisa de 18 anos, leste bastantes poemas dela, entrando naquele espaço geográfico, época e mundo interior peculiar. É tudo quanto queres dizer e não dar uma de entendida. Quem fala de poesia, fala de romances, viagens, astronomia, o que seja. O que tens a menos em horas de leitura exaustiva de ensaios ou romances, absorvendo a obra completa de cada autor, tens de sobra em flashes vários. Salpicos que resultam de interesses dispersos por cada momento, alguns prolongando-se por meses, às vezes anos. Chamam a isto superficialidade resultante da falta de disciplina e da incapacidade de concentração. Deixá-los chamar. Hoje nem vais perder tempo com questiúnculas.

Há 20 como há 15 anos ou mesmo agora a música é motivo de buscas. São inúmeras as vezes que consultas páginas sobre músicas que ouviste, seja versões online de revistas da especialidade, como sites mais populares com interacção dos utilizadores. Gostas de ler comentários aos vídeos do YouTube, tal como estudos académicos sobre músicas icónicas – não se pode calcular o que te ris com a profusão de rendilhado imaginativo e sem sentido ao estilo crítica cinematográfica de alguns desses estudos -, lês a wikipédia, mas também as páginas onde são depositadas opiniões sobre as letras das canções. A parte séria, ou seja, sobre composição instrumental é-te de difícil apreensão por não perceberes nada do assunto, pelo que essa parte é passada na diagonal, mas sobre as letras, céus, há tanto a dizer.

Há vários padrões de opiniões sobre os poemas, as rimas, as letras das músicas. Cada um mais maluco que outro. E dizes isto com todo o carinho e compreensão como se vai entender no final deste postal.

Há os comentadores que vêem Deus em todas as letras de música. Se a dita for sobre rolhas de cortiça, pois haverá sempre um John Smith ou um Washington Silva a afirmar que a rolha tem significado espiritual: está nas escrituras, está na bíblia. E daí parte para a evangelização. Claro que este tipo de comentadores, usando as palavras francas do nosso primeiro, põe-se a jeito. É sabida a pouca cotação de Deus e da religião nas modas e nas correntes de opinião aceites entre os que têm voz na comunicação social e no entretenimento, pelo que haverá sempre o humorista de serviço, que hoje equivale ao diácono no tempo em que a religião tinha peso na sociedade, a ridicularizar a estupidez do Smith ou do Washington.       

Há os apaixonados. E aqui há um vasto leque. Os com dor de corno, para quem qualquer música se refere aos traidores ex-namorada ou ex-namorado. Os empolgados com o início da relação, para quem cada palavra lembra uma parte do corpo do amado, um traço de personalidade, uma palavra, uma promessa de felicidade eterna. Aqueles para que a letra define na exactidão o que sentiram dois anos antes, quando se divorciaram, devastados pelo sofrimento ou exaustão. Os casais eternamente felizes para quem aquela canção com 90 anos é a sua música, a que ouviram quando se conheceram, quando casaram, quando baptizaram os três filhos, quando foram de férias para Bali, quando passaram pelo primeiro susto de doença, quando compraram a terceira casota para o cão da família, e agora que escolhem o lar de terceira idade de mão dada.

E os para quem tudo é sexo. A letra fala de modo acessório de um copo de água? Pois é o cálice da vida, a mulher. Num dos versos é usada uma palavra com duplo ó ou o símbolo gráfico de dois pontos? Mamas, são mamas. E aquela exclamação ganida no final do refrão só pode ser uma alusão ao caralho a vir-se. O grau de carência leva a comentários do mais divertido que pode haver. Ausência ou excesso – nunca se sabe e cada um sabe de si.

Há a malta da fantasia com drogas. Para alguns comentadores não há nenhuma música que não tenha referências a drogas. Se o sujeito a quem são dedicados os versos viu o céu, snifou coca, se deitou na relva, fumou marijuana, se deu o braço a torcer, injectou heroína, se viu vacas voadoras tomou ecstasy.

Há ainda os que enredam isto tudo e montam uma teoria da conspiração com todos os tópicos numa salgalhada que ninguém entende. Alguns passam a criativos aclamados com resmas de fãs a idolatrarem o absoluto absurdo de um somatório de imbecilidades. Nos casos de maior patetice os intelectuais aderem fascinados e explicam aos ignorantes toda a magnitude e superior inteligência por detrás dos enredos construídos. E quem não compreender cada meandro das simbologias e significados intrincados de cada palavra proferida, é absolutamente quadrado, ingénuo ou sonso. Não percebe nada da vida nem tem leituras ou educação, naturalmente. Nasceu tapado e tapado morrerá. Coitado.

Ora tu vais variando ao longo dos dias, dos meses, dos anos, da vida. Nuns dias és capaz de ser mais imbecil e imaginativa, moralista, apaixonada, tarada ou alucinada do que qualquer Smith. Noutros olhas para tudo isto e só te apetece distribuir gotas pela humanidade a ver se ela se recompõe da maluqueira. É por isso com todo o carinho que lês os comentários. Com eterna compreensão, sentimento de fraternidade e boa-disposição.

Ontem comentavas com alguém no local de trabalho que todos têm a sua quota de perversidade e o que diferencia o homem dos animais é a capacidade de dosear os instintos. Há quem tenha imensa curiosidade por temas fracturantes e chocantes e por isso veja séries, filmes e documentários infindos sobre temas que te cansam. É como as buscas sobre a poetisa ou acerca de músicas que ouves: pesquisas, lês o que tens a ler sem escalpelizar cada perversidade nem necessidade de demonstrar conhecimento sobre a dita para mostrar sofisticação ou esperteza. Se cada um se quiser conhecer a si próprio já tem dose de perversidade para uma vida e uma biblioteca inteira de ensaios e romances sobre o tema. A ficção sobre o mundo dos outros serve apenas como álibi e não trará muito de novo à curiosidade, muito menos servirá de libertação.

Pronto, agora já vais dormir contente, com o tpc feito: a redacção sobre significados.

Boa noite.

*

Adenda: inicialmente publicaste este texto com gralha do título, sem o primeiro i. Só pode ser uma mensagem subliminar, um aviso de espionagem militar. No mínimo. Ai aquele i, a falta daquele i, quantas séries de Netflix não daria?






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