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Podem aprender qualquer coisa sobre o cultivo do milho aqui.
Há vidas que só sente quem morou no campo ou lá passou tempo suficiente para conhecer o sabor das manhas e das manhãs, das massas e das maçãs, como cantam os brasileiros. O campo maior de Valinhas era no sopé da mata da casa - assim chamada por começar a poucos metros do terreiro da casa, logo rente ao muro do primeiro patamar. Não estou certa do momento exacto, mas sei que era no final da Primavera que se semeava o milho na Vessada. Antes disso, ainda nos dias de chuva, o campo era lavrado – como muitos outros mais pequenos à sua volta - com uma espécie de charrua agregada ao tractor. Era lindo ver o arado abrir a terra e mostrar as entranhas em torrões e pequenos ou grandes grumos castanho-escuros e húmidos. Era uma terra rica, e depois de lavrada e fresada ficava fofa. Em criança adorava sentar-me no tractor enquanto o trabalho decorria. Às vezes, o ferro lá enganchava nas pedras e era preciso levantar o arado ou a fresa.
Durante o Verão a terra começava a secar, ficando mais lisa e empoeirada. Para voltar a ter um tom semelhante, o campo era regado diariamente através de fileiras de regos junto aos pés da planta. Um dia escreverei sobre o sistema de rega. São engenhos magníficos, os tradicionais métodos de irrigação das quintas. A terra ficava escurecida, mas em vez de granulada e fofa como a lavrada e fresada, assemelhava-se a uma membrana fina tipo pano de peneira absorvente. O milho lá ia crescendo e quando já tinha talvez dois palmos, plantava-se o feijão. Assim sombreado crescia junto ao milho, que servia de estaca.
No fim do Verão já o milho estava bem mais alto do que eu, a rondar os dois metros ou um pouco mais, e as espigas dentro do conjunto de folhas em forma de tulipa já amarelas e quase prontas a ser colhidas. Era a melhor época para desaparecer umas horas e estar escondida do mundo a deambular pelo campo fora, apesar das folhas cortantes. Na ponta da espiga a barba do milho, pronta a ser enrolada em papel para ser fumada. Foi a primeira erva que fumei, antes do tabaco. E por estas duas me fiquei.
No início do Outono dava-se a colheita, o caule e folhagem iam para alimento do gado e as espigas para a ruidosa debulhadora. Escrevi inicialmente ‘para a ruidosa debulhadora antes de acabarem na máquina de moer o grão, uma espécie de bacia afunilada.’ mas tive receio (perguntava-me se seria verdadeira a memória ainda muito viva de a ver funcionar) e comecei a telefonar a vários elementos da família para me confirmarem a existência desta última geringonça. Ninguém se lembrava e temi ser fruto da minha imaginação. Quando pensava com os meus botões que só as pessoas que de facto trabalharam a quinta e as máquinas me podiam salvar, tocou o telefone e era um dos meus tios a responder à chamada que não atendera uns minutos antes. Sim, a máquina não só existia como existe, foi comprada talvez e 1976 pelos meus tios e tinha mais do que uma função: pelo menos duas já que moía farelo e farinha.
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Estes apontamentos e outros já aqui publicados sobre o tópico Verdes são memórias de quem viveu entre o primeiro ano de idade e os doze numa quinta.
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