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Espaço e tempo para dizer o menos possível. Ou talvez não. Sempre haverá o que dizer.
Faço novo exercício hoje: dizer o essencial sem recorrer a ligações às notícias. Sem a rede dos factos dos jornais – e das habituais extrapolações. Para além da revolta contida sempre presente, encolho-me envergonhada com os nossos políticos e população de onde germinam. Abespinhada, como já fiz notar nas Comezinhas, com a tão previsível intervenção na TAP comparável à do Novo Banco (ou outras que se avizinham), apesar do benigno romance da defesa da companhia de bandeira a tratar de modo diferente dos gananciosos dos bancos. Fazem-me ter vergonha de ser portuguesa. Não haja dúvida que a TAP é a companhia de bandeira, aquela que bem retrata o português lorpa que pagou os prejuízos de quarenta anos de má gestão principescamente remunerada. Ao que parece não deu prejuízo dois anos. E a lírica associada é a de que temos que pagar para assegurar a nossa vocação universalista. Para este efeito já não somos perigosos esclavagistas a abater.
A ideia de que há decisões sem dor, que se pode cortar o mal pela raíz sem provocar males menores, eterniza as piores das soluções. As que nos perpectuam na pobreza de bem materiais e de carácter. Mais uns meses, pegarei num papel e lápis e farei aqui uma conta de somar à moda antiga, daquelas com as rúbricas sobrepostas em coluna, com uma linha e um total. Sempre quero confirmar se tínhamos razão quando dissemos há semanas que os próximos 25 mil milhões de euros da Europa vão ser absorvidos pelos sumidouros costumeiros do Estado. E para todos eles haverá explicação lógica e razões humanitárias de fazer chorar as pedras da calçada. As televisões ficarão condoídas e as redes sociais e o povo comovidos.
É, aliás, sintomático que o negociante do dossiê da TAP seja um homem que chora ao falar – no mesmo tom de voz do ex-primeiro ministro Santana Lopes. Na verdade quem deveria chorar era o País feito de pequenos comerciantes e empresários e de trabalhadores, vendo milhares de outros profissionais fugir aos impostos e congeminando se não deviam imitar, já que o Estado os suga até ao tutano para acudir a quem nunca corre riscos por saber que poderá sempre contar com a mão protectora das políticas desonestas, injustas e destrutivas da dignidade nacional.
Um País digno valoriza quem cria riqueza, quem trabalha, quem cumpre. Enfim, quem contribui para o bem comum. Um País de trafulhas enreda-se em medidas, decisões e políticas de meias-tintas que beneficiam quem destrói a riqueza nacional ou a delapida. Um País de trafulhas beneficia os corruptos, os inaptos e quem causa dano aos compatriotas. E arranja sempre pretexto para fazê-lo nos momentos em que, por causas conjunturais, as ajudas parecem de todo justificáveis, abstraindo das razões estruturais, que imporiam mão firme e coluna vertical.
Mas as cabeças pensantes que povoam a televisão dizem que não havia outra forma das coisas acontecerem e a população na sua proverbial moleza diz que sim senhor. Que é assim mesmo. Noto que quanto mais estão de acordo, mais estacionam o carro em segunda fila em frente das rampas de garagem ou passam à frente nas filas dos supermercados e dos hospitais, e mais desdenham de quem acha mal prejudicar os outros. Consideram inocência ou mau-feitio, afinal temos que ser uns para os outros. Já lá vão décadas do temos que ser uns para os outros. Ou duzentos anos, já perdi a conta. Séculos a dar colo à canalhice. À cauda da Europa.
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Adenda.
É isso, Vorph. Quantos mais formos a levantar a voz, melhor. A ler aqui e aqui.
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