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Ontem reli postais sobre a exacerbação da falta de auto-estima da esquerda e a ideia de que é a esquerda académica, intelectual e bem instalada que promove o activismo tonto e não os verdadeiros penalizados pelas ofensas às identidades. Sem deixar de perceber que há verdade nesta observação, e com eterna tendência para ver dos dois lados, tentei contrapor a visão da balofa auto-estima da direita, ancorada na ideia da sempre possível superação dos obstáculos, crença cega na vontade individual e na inexistência de desigualdades para quem acredita em mantras motivacionais e que os fins justificam os meios.
Enquanto decorria o debate das autárquicas no concelho de Lisboa, dei por mim assustada com a memória do que escrevi há dois dias e ainda não publiquei por querer corrigir e maturar, assente na contraposição entre o artifício e o essencial, sendo que este último estaria na conexão com a natureza – a ideia base da Quinta. O sobressalto prendeu-se com voltar a ler um rápido resumo da biografia de um contemporâneo profeta e chanfrado homicida cujo pensamento passa a páginas tantas por esse tipo de ideias. É preciso muito cuidado para não perder o pé, pensei.
Do debate ouvi apenas partes. Fiquei agradavelmente surpreendida com o bom senso (quem diria) da prestação da representante do PAN, entediada com os paradigmas da candidata do Bloco de Esquerda, irritada com a prepotência da independente apesar do que disse fazer sentido, hesitante em relação à candidata do Nós Cidadãos, sem dúvida com trabalho bem pensado e bem feito além de coragem para a denúncia, mas fiquei sem conhecer alternativas. Encolhi os ombros ao ouvir o representante da Iniciativa Liberal, tive esperança que três dos candidatos que enunciaram críticas certeiras mas banais ao poder instituído dessem o passo seguinte e concretizassem políticas. Fiz por não ouvir o Presidente da Câmara em exercício - sei, não é uma atitude inteligente, mas tenho que poupar a minha saúde. E reparei que o bonito próximo secretário-geral do PCP parecia ele próprio o Presidente da Câmara de tal modo está instalado e mais à vontade do que qualquer um dos outros nas questões concretas da governação municipal; nem se esqueceu de elogiar - a pretexto de motivá-los - funcionários da edilidade numa descarada caça ao voto.
Entretanto ontem ou anteontem – perco um pouco a noção – Rui Rio esteve muito bem no comentário à inacreditável postura da maioria dos juízes do Tribunal Constitucional, ao afirmarem que a mudança para Coimbra desprestigiaria a instituição. A única nota que se pode fazer aqui é esta: a maioria dos juízes do mais alto órgão de Justiça não passam de parolos e pouco podemos esperar do país quando assim é. Sim, a postura é própria de pacóvios ascendidos à capital. No Livro dos Três Princípios procurei deixar bem claro que um dos mais graves problemas do país é esta saloiice dos representantes dos mais altos cargos da nação – passa por juízes, mas também por políticos, intelectuais, académicos e comentadores televisivos, por exemplo. Nada pior do que entregar o poder (em sentido lato) a deslumbrados.
Para rematar digo apenas que teria gostado de ter sido poupada à visão e audição de um velho senil a dizer obscenidades. Quando penso que Fernando Nobre poderia ter sido Presidente da Assembleia da República, penso: céus, que susto. Mas na realidade ainda conseguimos pior. Fernando Nobre e Ferro Rodrigues são o pior retrato do país.
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Adenda: percebi depois de publicar que me tinha esquecido de Moedas. Não foi mesmo intencional, mas de facto também não me entusiama, tal como Medina parece-me um avençado do lobby lifestyle das bicicletas.
Ontem resolvi usar o sistema de gravação da NOS e ver a entrevista a André Ventura de segunda-feira. O que vi? Um vendedor da banha da cobra com meia-dúzia de afirmações, entre elas várias verdades, envolvidas no engodo ou isco para gente descontente. Gente descontente com razões para o estar, que é coisa que em regra quem faz análise sobre o assunto, esquece. Pormenores que fazem toda a diferença.
É trapaceiro? É. Mas muito do que propala faz parte do indizível neste ambiente farsolas e delirante em que vivemos.
Mais uma vez do que vejo confirmo que não fará mal algum trazer o indízivel à tona. Responsabilizá-lo pelas afirmações, confrontá-las com os limites de decência, ao invés de o enxovalhar para manter uma falsa imagem de grande defensor dos direitos, liberdades e garantias.
Quem sai bem na fotografia? O PSD ao colocar a cláusula no acordo para salvaguardar o respeito por esses mesmos direitos. Os fundamentais.
Ao contrário do que tenho lido, o PSD não perde com a decisão, antes pelo contrário. Não só não ultrapassou qualquer linha vermelha, a não ser a da intolerância da esquerda bacôca, como se afirma como partido de charneira, marca que tinha perdido.
O PSD vai ser engolido pelo Chega? Não, não vai. Apesar desse parecer ser o desejo de muitos que votam indiferentente no PSD e no PS, como se fossem partidos semelhantes. Ainda bem que a demarcação foi feita. Já não era sem tempo.
Tudo quanto acabei de dizer traduz o pensamento de muitos portugueses - apelidados de estúpidos por iluminados -, nem todos com vontade de o expressar.
Imagem do Expresso.
Para quê ter o trabalho de fazer o confronto de ideias entre esquerda e direita, se não são elas que determinam as políticas e comportamentos do país e dos portugueses. Para quê falar em mudar de regras? Se não há qualquer intenção de cumprir as (boas) que existem nem as (boas) que venham a surgir? Para quê manter o prazer de discutir? Se debater por debater e, por motivos fúteis, tudo questionar acaba por servir apenas para encobrir o poço sem fundo da vileza da nação?
Afinal, parece que tudo se resume a pouco.
À esquerda grosseira, arrogante e fanática. Convencida da superioridade moral expressa em meia-dúzia de slogans identitários berrados num qualquer simulacro de academia de ciências sociais e artísticas ou na confraternização em manifestações e acampamentos de excitados activistas das causas efémeras, com cada vez maior número de figurantes assalariados e bem remunerados. Na falsa presunção de legítimos e únicos herdeiros da divisa igualdade, solidariedade e liberdade, fazem-se senhores desta coutada de caça às bruxas em que se transformou o mundo e o país. Traduzem igualdade por amiguismo, solidariedade por facilitismo e liberdade por bandalheira. A coisa vai tão mal que se enaltecem verdadeiras nulidades, tomando-as por sumidades, bem pagas e subsidiadas e, por facciosismo e inveja, se desprezam e humilham sabedores.
À direita bem empertigada, vaidosa e insensível. Convencida da superioridade moral expressa em meia-dúzia de máximas rezadas numa qualquer faculdade abonada e conservadora de ciências jurídicas e empresariais ou nas reuniões sociais de punhado de amigos bem instalados em relações interesseiras com preocupações vagas por um país que os conserve sempre no topo a pirâmide ou lá os alce. A falsa presunção de que têm sido a educação, a inteligência e a capacidade de trabalho a reger o mercado nesta sombra de sociedade minada de alto a baixo por corrupção, injustiça e inveja. A tradução de educação por etiqueta fajuta, leituras e pensamento balizados por dogmas tribais. Inteligência traduzida por habilidade de se impor aos demais e capacidade de trabalho por lábia em vender mais. A coisa é tão feia, que quem mais tem e pode manifesta inveja e raiva de quem nada ou pouco tem e não se deixa pisar ao retratar o mundo.
Aos saltitantes de cenário em cenário, tomando os piores ares e tiques das duas e mantendo-se à tona a debitar opinião conveniente em função da circunstância.
E aos sonhadores que, apesar da antipatia por tamanha vileza, se negam a refugiar no cinismo falsificado.
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