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Como fazer crescer a pobreza

por Isabel Paulos, em 27.02.21

A criação do imposto sobre os ricos do teletrabalho é daquelas medidas que soa ao mesmo que o aumento de 77% do salário mínimo na Venezuela.

*

Ao contrário das críticas que usualmente são feitas ao esquerdismo também gosto muito pouco da caridadezita. Acho princípio de muitos males, entre eles o incremento e perpectuação da pobreza.

É por isso que estranho que esta proposta de Poiares Maduro e Susana Peralta tenha adesão da dominância de esquerda e da bem-instalada centro-direita do costume.

Que os entusiastas desta ideia vão até à divisão entre ricos e pobres, maus - aqui ditos burguesia do teletrabalho - e bons já estamos habituados. Percebo bem que se façam autos de fé com recurso ao humor para aliviar a culpa e a falta de inteligência ou por necessidade de agradar aos ouvintes/leitores/eleitores. Tudo expectável em quem é incapaz de ver além do que é o jantar de mais logo à noite. Seria pedir muito que planeasse as refeições para o dia seguinte, quanto mais para um mês.

Mas é com alguma surpresa que verifico que não percebem pelo menos que estão a aderir ao padrão de caridadezita que tanto criticaram na hipocrisia própria de regimes autoritários como o do Estado Novo. Nada como criar uma noção colectiva de culpa sobre os ditos privilegiados, legitimar a negligência do Estado e organizar um peditório entre a sociedade civil – neste caso através de impostos – para ajudar os pobrezinhos. Assim aliviam a consciência e naturalmente garantem que os pobres se mantêm na mesma condição e dependentes da generosidade de benfeitores com tão bom coração.

Nada como esvaziar as competências e obrigações essenciais do Estado para eternizar a estratificação que garante a sobrevivência do privilégio, através de chantagem emocional a que falsamente chamam solidariedade. Nada como esquecer a necessidade das políticas económicas capazes da criação de riqueza – nomeadamente, as de apoio às empresas e criação de emprego -, o escrutínio à gestão dos dinheiros públicos e a corrupção.

Das reacções que tenho ouvido é caricato ver presumíveis apoiantes e delatores de Chavéz e Maduro de mãos dadas a aderirem a esta peregrina ideia que muito deveria agradar a estas luminárias da revolução bolivariana, e cujo efeito útil é o crescimento e a perpectuação da pobreza. Exigir que o Estado resolva com os fundos presentes e futuros os problemas de quem ficou sem emprego, desenhar um plano realista de apoio à economia, às empresas e criação de emprego dá menos sound bites na imprensa e redes sociais, logo, menos ouvintes, leitores e eleitores. Estamos como de costume no domínio da demagogia, a que não se foge por efeito da chantagem emocional.

Como nota, acrescento que face ao parco salário que recebo, muito abaixo do salário médio português, com certeza não seria muito afectada caso se viesse a criar tal imposto. Sucede que não me sossega a consciência dar uma esmola, sem perceber se a pessoa que a vai receber terá o que jantar na próxima semana, mês ou anos. Tal como não me sossega ver o país governado por irresponsáveis que devem agradecer terem sido premiados com mais esta ideia-jackpot.





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