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Certificado Digital COVID

por Isabel Paulos, em 20.06.21

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Ainda sou do tempo (isto agora sem memória colectiva quaisquer três anos parecem uma eternidade como no universo orwelliano) em que os europeus pasmavam de sobressalto com o topete das autoridades chinesas na criação de mecanismos de diferenciação e hierarquização de cidadãos.

Recordo esta notícia do Público«Pequim está a desenvolver um sistema de classificação e hierarquização social a partir dos dados pessoais que os cidadãos entregaram às aplicações móveis. E essa pontuação pode determinar o acesso ao emprego, o lugar num comboio ou até a descoberta de um parceiro sexual.» Lembro o alvoroço português perante tal desplante dos orientais.

E reparo com surpresa que a burocracia europeia criou sem comoção de espécie alguma nos políticos e comentadores nacionais - antes pelo contrário, parecem excitadíssimos com a novidade - o Certificado Digital COVID.  

Dir-me-ão: sem comparação possível, está a misturar alhos com bugalhos.

Será? Se o dito certificado confere liberdade de circulação e acesso a locais públicos e espectáculos, isto não faz soar nenhum alarme?

Velho Oeste

por Isabel Paulos, em 06.06.21

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O facto de se reconhecer a existência de um frenesim opressor por parte dos identitários não obsta a que quem se sinta ofendido por uma afirmação produzida em peças jornalísticas, humorísticas ou textos literários actuais –  esqueçamos o revisionismo e a questão caricata da História errada e dos factos históricos errados - possa reagir de forma também ofensiva.

Por muito se saiba que isso pode levar a uma espiral de agressividade, o respeito pela liberdade de expressão não impõe a lei da rolha ao ofendido, para infortúnio de muitos trogloditas que pululam nas caixas de comentários online – a quem se continua a dar infinita trela -, que rotulam de sumidades os que injuriam, salvo se forem aquilo a chamam virgens ofendidas, logo catalogadas de asnos.

Sucede que se as virgens ofendidas – mulheres, homossexuais, negros e outros que tais – têm todo o direito a injuriar quem acham que as desconsiderou. Não têm é o direito (ou não deveriam ter) a impor uma doutrina, uma moral, muito menos proibir a publicação de livros, jornais ou peças de humor. Agora, ofender misóginos, homofóbicos, racistas, claro que sim.

Não tenho dúvida que há excessos de auto-defesa. Mais: não tenho dúvida que há muita injustiça, destempero e irracionalidade do lado dos identitários e também dos que não o sendo percebem muitas das razões para as fúrias. Pagam os justos pelos pecadores. Vejo por mim, quando me tocam nos calos, às vezes, vai tudo a eito. Temos pena, como diria o maçon. São muitos anos de ofensas, milhares de leituras e comentários agressivos e lesivos. Não estou a falar de chamar maricas, preto, loira burra ou gorda por piadinha. Estou a falar de dias e dias, meses e meses, anos e anos de agressões verbais deste ou de outro tipo com perfeito desprezo e no intuito de diminuir, marginalizar, achincalhar. E durante todos esses anos, onde estavam os actuais defensores da liberdade de criação literária de da liberdade de expressão? A insurgir-se contra os ataques à integridade dos ofendidos? A defender o bom senso? Ou antes a assistir em surdina à paródia regalados, quando não a participar das injúrias? E a tomar notas para uso nas suas peças humorísticas, jornalísticas ou literárias, tirando disso vantagem financeira?

Partem do princípio que todos os ofendidos ou os que simplesmente reparam nas ofensas não têm sentido de humor, são asnos, ignorantes e insanos. Não os vi reagir nas últimas duas décadas quando os espaços online se enchiam de injurias. Vi-os sim fazer de conta que não estavam lá, tantas vezes a ofender sob o anonimato. Tantas vezes a criar prejuízo sério a outros.  Não é a liberdade que defendem, mas a lei do mais forte.

Não tenhamos ilusão de que muito deste amor súbito pela liberdade de expressão é do mais hipócrita que há e nada tem a ver com o travão necessário ao totalitarismo e pensamento único. O que dói a muitos é que se ponha em causa a lei do mais forte. É a perda de poder e arbitrariedades. Temem o desaparecimento das teias de amigalhaços e respectivos interesses e dos velhos costumes que permitam rebaixar as mulheres, discriminar os homossexuais e os negros.

Vi muitos westerns em criança: sempre que reparar que valem os velhos costumes e a lei da selva, ainda que sujeita a erro de avaliação, reagirei olho por olho, dente por dente. Quando aceitarem ser cuidadosos com os outros, reverei o mau feitio e o carácter intempestivo.

Dizes que a amas

por Isabel Paulos, em 23.05.20

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Dizes que a amas. Como se existisse, quando para ti é uma abstracção a moldar. Dizes que amas. Como se tivesse direito a ser alguém, e não barro tolhido e retorcido pelos teus dedos intencionais e repressivos. Dizes que a amas. Como se respirasse para além das tuas projecções e frustrações.

Dizes que a amas. E não a conheces, nem queres conhecer. Preferes idealizar com uma mão e recriminar com a outra. Dizes que a amas, mas não suportas que seja quem é, e é liberdade.

Liberdade - ponteiros de sol

por Isabel Paulos, em 15.02.20

pipa

Com imaginação presa à rotina das paisagens trilhadas, pintaste o sol de amarelo a que se seguiu o mar azul. Tudo composto no devido lugar. Aconteceu no Museu Teixeira Lopes e passaram mais de trinta anos. Uma das professoras aproximou-se e despejou: que estás a fazer? Isto é aguarela, solta a mão, solta. Ao mesmo tempo pegou-te no braço e atravessou o pincel molhado de mar no teu sol cativo de doirado. Mas, mas. Não pode ser, pensaste sem coragem para verbalizar o motim interior em voz alta. Aquela mulher tinha acabado de te destruir a aguarela: o sol pingava azul. Há mais de trinta segundos, estiraste-te no sofá e olhaste para cima da televisão, desligada como de costume, leste a palavra imaginary, inscrita a preto desvanecido na rodela aos gomos de madeira, a lembrar as pipas de vinho, de propósito pintada a tinta carcomida. É o relógio a que há anos tiraste os ponteiros depois de, numa das infindas arrumações da sala ou mudas de casa, teres avariado sem querer o motor de tão esmerada máquina, made in China. Tiraste os ponteiros ao relógio e à vida. E, céus! Que bem ficam os sóis a pingar de azul e os relógios feitos de quietas tampas de pipa.





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