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Não fosse ter olhos e ouvidos e não conhecesse a desfaçatez, dissimulação e prosápia dos doutos do pequeno terreiro onde vivemos e ficaria condoída com tanta comoção pela tragédia portuguesa e atirar-me-ia para o chão em vénia radical de tanto espanto e admiração perante a lucidez e sensatez dos ilustres da nossa praça. Não fosse saber que nada mais os move do que a retórica, a mesquinhez e a vontade de vergar os outros às suas fúteis razões e cederia a argumentos inquinados e viciados, e não me divertiria tanto ao vê-los acusar os outros dos próprios vícios, como se nada fosse. Não fosse saber que usam as mortes para impressionar o seu nicho de público, cultivar a vaidade e dar imagem de pessoa decente e moralmente superior, e ficaria impressionada.
Felizmente, há muito me deixaram de impressionar os dotes de oratória e a retórica dessa gente que continua a cavar a tumba do País, muito convencida de estar a dar lições de inteligência e cidadania. Muito cheia de si e pronta a educar os outros.
Longe dessa áurea de brilhantismo do pedestal dos doutos do mercado da opinião, sou uma pindérica sem coração nem razão, preocupada com o pé desmanchado da Luísa Carneiro. Como se verá no postal seguinte.
Há poucos dias ouvi alguém dizer na televisão (não sei se político, jornalista ou comentador, mas para o caso tanto faz): «de uma forma ou outra sempre houve máscaras à venda nas farmácias».
Ora, vivo numa zona central do Porto e na primeira quinzena de Março fui três vezes às farmácias da área tentar comprar uma máscara. Uma que fosse. A resposta foi sempre: não temos. Nenhuma. Aliás, havia avisos nas portas a dizer isso mesmo. Só no dia 15 de Março consegui a da fotografia, que era o único modelo à venda e paguei o preço que me pediram: 19,95€. O que atesta a falta de bom senso com que, às vezes, nos comportamos como consumidores. Vi várias pessoas a comprar a mesma máscara nesse dia.
Sei que a memória é curta, mas gosto pouco que me atirem areia aos olhos. Mais, é insultuoso menorizarem a existência ou não das máscaras ao fim de mês e meio e se esquecerem do preço a que estavam a ser vendidas.
Acresce que o salário mínimo em Portugal é de 635 euros. Aconselho as ilustres figuras da televisão a darem-se ao trabalho de fazer a regra dos três simples. Assim: 635 está para 100 como 19,95 está para X. O resultado é que uma só máscara – que não é lavável e portanto a reutilização, em rigor, está comprometida – pode representar mais de 3% do salário de muitos portugueses. Imagine-se, agora, a situação para os muitos pensionistas, cujos rendimentos estão ainda abaixo deste valor.
Curiosamente, pareceu-me ouvir ontem no Jornal da Noite que Itália impôs um limite de preço, de qualquer coisa como cinco cêntimos. Muito parecido com o preço a que estão a ser vendidas em Portugal? Ah, não. Aqui, há um mês, era usual pedir-se 70 euros por uma caixa de 50 máscaras cirúrgicas e agora baixaram para metade: 35 euros. Ou seja, 70 cêntimos por máscara.
Já agora não teria sido mal pensado se quem dissertou na televisão em matéria de Covid-19 tivesse usado a regra dos três simples ao comparar dados estatísticos dos diversos pontos do globo, em vez de atirar quando interessava com números absolutos e aterradores. Uma morte é sempre uma morte. Mas uma cabeça também é sempre uma cabeça e convém que funcione com justeza e sem alarme.
Do grau de infantilismo da argumentação de Ferro Rodrigues.
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Mãe - Filho larga os cravos, faz a cama e arruma o quarto, são quatro da tarde.
Filho - Mãe deixa-me brincar mais um bocadinho, por favor. Tu não gostas de mim, não gostas, nem das flores. És má. Fascista!
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Filho - Pai tens que usar a máscara.
Pai - Pensas que eu sou palhaço, ou quê? Achas que isto é o Carnaval? Mandei vir isso para criadagem que nos serve. Todo o cuidado é pouco. Essa gentinha que anda nos autocarros ainda nos contagia.
Fui à farmácia tentar arranjar máscaras para me prevenir, mas estão esgotadas. Será que o bando socialista ainda tem a fábrica das golas?
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