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Mesmice

por Isabel Paulos, em 17.02.21

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*

A presunção titubeante de trazer algo de novo. Se não, mais valia tratares apenas da vida, do rame-rame, do almoço, do trabalho, do gato que há-de vir. Do que é simples. Mas não, tens a pretensão das pretensões. Tivesses a certeza de não trazer nada de válido e seria mais fácil: arrumarias simplesmente a trouxa e ignorarias a mesmice de insignificância a que assistes.

Afinas os ouvidos e olhos e vais observando o que é dito e escrito. Apesar da aparência de contestatária, concordas ou discordas quase sempre sem mexer uma palha: nem que sim, nem que não. Como milhões concordas ou discordas quase sempre em silêncio. Gostas ou detestas do que é dito ou escrito entre leves sorrisos e irritações mas sobretudo bocejos, porque tudo quanto sobra é a sensação do dito e escrito não servir para rigorosamente nada. Sucessões de palavras intrincadas em factos, ilações e opiniões da mesma mesmice, ancoradas em inegável conhecimento dos meandros das ideologias, lei, inclinações e ambições. Às vezes até da arte e das emoções. Ainda assim massa de sílabas quase sempre fria e asséptica feita da mesma mesmice. Tropeças há anos em casos nos quais é impossível passar da segunda ou terceira linha só pelo tédio que te dá a falta de verdade e humanidade. A falta de ser. Mãos que dedilham os teclados dos computadores totalmente alheados da natureza, embrenhados em conceitos sofisticados cujo processo de criação pressentes jamais conseguiram sentir, apesar de serem muito capazes de o esclarecer e esquadrinhar cabalmente com base noutras tantas noções que tomam por adquiridas e por isso jamais questionam. Milhentas gavetas cerebrais de ficções e especulações tidas por realidade.

Só pode ser defeito teu, que em tudo vês uma argamassa de palavras feitas de insignificância e artifício. E céus. Às vezes até concordas e gostas. Faltar-te-á abertura de espírito ou capacidade de espanto? Quando em Fevereiro do ano passado te queixavas da falta de espanto, a natureza já tinha cozinhado a covid para virar o mundo do avesso. Mas o certo é que volvido um ano continuas impávida, sem ser tocada pelo espanto. Ditará a sensatez que as linhas precedentes são um desaforo de quem brinca com o fogo? Determinará a excitação dos iludidos que foram escritas por inconsequente que não conhece o lado apaixonado da vida? Sobrará apenas a visão dos pragmáticos convencidos: se estudasse, lesse e trabalhasse mais e, sobretudo, se não se preocupasse tanto com a reacção, não seria tão estúpida?

 





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