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O desejo e a acção de agredir gratuitamente são menoridades inqualificáveis. Poderão não ter resposta de quem sofre sem qualquer justificação os ataques e tentativas de humilhação encapotadas. Mas a própria vida ou a proximidade da morte de quem ofende trará a resposta.
Paz à tua alma.
Obrigada ao Ricardo Álvaro, que me enviou a imagem e a quem devo o título do post.
(De facto somos o país das hipotenusas.)
A palavra que esqueci ontem: requentada. Maioria requentada. Era essa a ideia que MRS queria passar.
Requentado está o país há séculos e vai aguentando todos os MRS e Costas e Montenegros e Andrés Venturas e Catarinas Martins e Ruis Rochas e Paulos Raimundos e Inêses Sousas Reais e Ruis Tavares desta vida.
Ah e tal, "a pôva" é imbecil e gosta de conversa de café tratando tudo por igual, metendo todos os políticos no mesmo saco: "era metê-los todos no Campo Pequeno e..." Não consegue discernir, "a pôva": é incivil, não sabendo separar o trigo do joio para salvar o possível, não consegue esmiuçar e analisar com clareza e sensatez toda a actualidade, todas as trivialidades alçadas a assunto de Estado para papalvo engolir. Porque será? "A pôva" vai levando com toda a inteligência acumulada dos fazedores de opinião - os analistas e comentadores da ciência da treta - há anos a fabricarem nas suas redes de interesse cada vez piores políticos e dirigentes no sector público e privado, cada vez pior opinião pública.
E "a pôva" sonolenta de tanta sapiência. E "a pôva" farta de almoçar sempre país requentado.
É de mim ou temos Marcelo Rebelo de Sousa a governar o país em tempo real nas televisões?
Bom Domingo.
Agora, depois deste momento pueril, vou fazer compras no Continente online.
(Dito assim parece que o Continente patrocina este blogue; ãh, que tal? Tudo vos soa muito vulgar, não é?)
Só se tivesse perdido completamente o juízo ou a capacidade de avaliação da realidade e não fizesse a mais pequena ideia do que são as leis que regem as relações internacionais é que não perceberia que o que se passou na Ucrânia foi uma invasão e não distinguiria de modo claro o agressor Rússia do facínora Putin da agredida Ucrânia - não acordei para a questão há dois meses, já me referi à previsível invasão em Abril de 2021, aqui e aqui, tal como me foi instintiva a tomada de posição desde o primeiro momento desta segunda investida de Putin na Ucrânia, aqui e aqui, sobre cujos antecedentes já aqui tive oportunidade de explanar.
Malgrado os forçados argumentos baseados no vínculo histórico-cultural comum esgrimidos pelos defensores da posição de força russa, a ingerência de Putin ao longo destes 20 anos, máxime através Viktor Yanukovych, é manifestação evidente do esforço de hegemonia regional russa na tentativa de impedir um Estado Soberano de prosseguir os seus interesses ao dar os passos necessários para se juntar a entidades supranacionais - no caso União Europeia e NATO - em clara violação do direito da liberdade de associação entre estados.
Usando de um tipo de manha que já não passa no tempo moderno face à capacidade da comunicação social desmontar a cada minuto as mentiras forjadas - e, diga-se em abono da verdade, com igual capacidade da mesma comunicação social para as criar em favor de uma qualquer campanha de mentalização tida momentaneamente por superior - Putin foi preparando a invasão ao mesmo tempo que a desmentia, tentando enganar o mundo e acabando por investir contra o país vizinho, independente desde 1991, sob pretexto de manter a paz nos territórios separatistas de Luhansk e Donetsk. O feitiço virou-se contra o feiticeiro sendo os russos confrontados com o inigualável espírito e capacidade de resistência ucraniano, apoiado pelas boas intenções das vozes internacionais audíveis e pelo fornecimento de equipamento militar por diversos países ocidentais.
Apesar da contra-ofensiva do país cuja soberania foi violada, a dura realidade no terreno deixa a descoberto um cenário de destruição das principais cidades ucranianas, e das vilas e aldeias que, como bolsas de resistência, ficam a caminho desses pontos urbanos. Os ataques com misseis de longo alcance russos destruíram não só muitos dos activos militares ucranianos, como foram bombardeadas zonas administrativas, residenciais e hospitais. O caso mais chocante de crise humanitária é talvez o da cidade portuária de Mariupol, no sudeste da Ucrânia que, pela sua posição estratégica de acesso ao Mar de Azov, foi alvo de cerco e bombardeio durante semanas pelas forças russas, causando centenas de mortes de civis. Nas últimas semanas equipas de voluntários reúnem relatos e provas no terreno de crimes guerra e infracções dos direitos humanos.
*
Há quase 20 anos talvez me satisfizesse com uma posição maniqueísta da situação, vendo de um lado a vítima e do outro apenas um único agressor. Quando tive o primeiro blogue - creio que em 2003 - lembro-me da reagir mal às críticas à hipocrisia norte-americana. O mundo dividia-se entre posturas anti-comunismo e anti-americanismo, assemelhando-se às discussões Porto-Benfica por adeptos fanáticos. À época era uma tonta que tomava partido pelo lado americano. Típica discussão infantilóide na qual só me perdoo ter alinhado por na altura estar na casa dos 20 e saber pouco da vida. Por isso me é tão estranho continuar a ver as mesmas lengas-lengas e a forma leviana de tratar a guerra em gente com idade para ter juízo e experiência de vida da qual não parece tirar lições.
Há uma série de questões que sempre que se colocam despertam reacções raivosas inconsequentes de gente excitada ou fanáticos, habituados a viver num mundo pintado a preto e branco pela comunicação social menos exigente, que são meras decorrências do pensamento de quem não gosta de ser leviano quando tenta perceber a realidade em que vive.
As razões do ímpeto belicista de Vladimir Putin estejam ancoradas numa estruturante mágoa pela quebra de status da Rússia na geopolítica internacional com o colapso da União Soviética e numa visão imperialista e não democrática do mundo, ou tenham também por base um ressentimento anti-americano pela preponderância dos Estados Unidos nas relações internacionais através do uso da força militar, não devem ser negligenciadas ou omitidas sob pena de não se perceber o que está a acontecer.
Tal como a inegável e crucial ajuda norte-americana à Europa na Segunda Guerra Mundial - e, sobretudo, na sequência dela -, o seu papel de grande país democrata acolhedor de milhões de emigrantes fugidos da pobreza e da violência de estados totalitários e a partilha dos valores ocidentais, não nos deve fazer reféns da gratidão e cumplicidade, mantendo-nos com palas nos olhos, cegos às evidências dos interesses em jogo nos dias de hoje.
Não é por a China ser um país autocrata desrespeitador dos direitos humanos que deixa de ser verdade a acusação aos Estados Unidos de promoverem ou facilitarem a Guerra na Ucrânia como forma de lucrarem economicamente com a substituição do fornecimento à Europa do gás russo pelo gás norte-americano, numa altura em que estavam com maior dificuldade em escoá-lo.
Não é por não merecerem todo o nosso apoio e ajuda que não é notório que os martirizados refugiados ucranianos tiveram maior compreensão dos restantes europeus que acorreram a acolhe-los do que os escoiceados refugiados sírios. E falar em migração económica num país destruído por 10 anos de guerra, com a participação de diversos países ocidentais e seus interesses, e onde foram usadas armas químicas não abona muito a favor de quem invoca para a Ucrânia toda a defesa dos mais nobres valores mas é incapaz de ter a sensibilidade de perceber que os direitos humanos não são bandeirinhas para hastear apenas para o lado daqueles com quem simpatizamos ou para o lado das vítimas dos que detestamos.
Para terminar, deixo a sensação que decorre em qualquer alma com um pingo de compaixão pelo sofrimento alheio: o absurdo hiato entre o cenário de crime e violência circunscrito à Ucrânia a quem os países europeus e demais Ocidente vai fornecendo armas para se defender ao mesmo tempo que tudo fazem para que o cenário de horror não extravase fronteiras, assistindo à tragédia com a leve penalização do agravamento temporário da inflação, que acabará por favorecer as suas economias.
O pretexto tão real quanto conveniente da ameaça de conflito nuclear tem permitido à Europa e aos Estados Unidos manterem-se confortáveis enquanto a guerra está circunscrita, de nada valendo a regra, noutras circunstâncias tão invocada - desde a intervenção da NATO na Jugoslávia para defesa dos direitos humanos no Kosovo -, de que as intervenções militares podem ter justificação no caso de violações maciças dos direitos humanos, permitindo mesmo a invasão de um Estado Soberano.
Ontem surgiu na minha mioleira ideia medonha. Sempre critico as redes de interesse, os consequentes vãos elogios tribais e a falta de mérito no acesso ao poder e aos lugares ao sol na sociedade. Pus-me a pensar se é pior do que penso: se o carácter poucochinho da maioria do que é enaltecido e vendido como se tivesse qualidade for sinal não só da promiscuidade dos interesses e das excitações momentâneas, mas da real inexistência de valor. Será que não há gente com pensamento estruturado e independente? Não haverá onde recrutar gente de valor? Entre recrutadores e recrutáveis só haverá vendilhões de lugares-comuns, bandeiras de facção e intriga palaciana de algibeira? Ou estará escondida, essa gente? A conversar em família e com amigos, a trabalhar com seriedade e a viver o dia-a-dia com as dúvidas, os erros e os acertos e todas as vicissitudes próprias do comum dos mortais, evitando a todo o custo expor-se num mundo que privilegia o que vende e vende fancaria, bazófia e vacuidade?
Não é uma visão muito optimista, não. E, claro, há excepções. Mas não passam disso mesmo num país onde reina a imagem e não o valor em si.
Até hoje só tenho memória de ter assinado uma petição. Foi há anos, numa Feira do Livro, contra o Acordo Ortográfico, matéria que não me comove muito. Creio ter subscrito outra, mas já não tenho memória do teor. Hoje só me vejo a assinar a Petição a Favor do Assassinato de Putin - essa sim seria uma petição a favor da paz. Num tempo que se fazem petições por futilidades, isso sim, mereceria atenção. Não ignoro os argumentos contrários: a eliminação (eufemismo de assassinato) do facínora é considerada contraproducente, havendo quem defenda que isso sim seria o início da Terceira Guerra Mundial, com recurso ao nuclear. Há quem ache que Putin ainda terá uma réstia de pudor, que quem ficasse não teria. Há quem preveja a desagregação da Rússia e efeitos avassaladores para a Europa e o mundo. Enquanto nos entretemos a conjecturar tudo isto, ouvindo sábios e especialistas, cujo sustento é a própria opinião sobre guerra, a Ucrânia e os ucranianos vão sendo sacrificados. Virão outros depois, e quem comodamente acha que se deve conter os estragos às fronteiras ucranianas, ainda não percebeu que de uma forma ou outra vai levar com a guerra na tromba. O que se tem estado a fazer é apenas adiar. O assassinato de Putin, que defendo desde o primeiro momento, é imperativo e urgente.
Entre tantos sábios, não haverá quem saiba lançar uma petição nesse sentido? Para começo, depois logo se veria com outros sábios, como executá-la.
Dizem-me que ao escrever este post revelo falta de bom senso. Seja. Também devo revelar burrice. Seja. Ficou escrito.
*
Alguém mais sensato e conhecedor do que eu, diz-me: era melhor o comandante (máximo) do Grupo Wagner - que opera em diversos pontos do mundo - e uns subordinados principais.
(Este texto nasceu como resposta ao post Mundo Novo do blogue Imagens.)
Mecanizar as conversas e as pesquisas é mais um passo no desenvolvimento da tecnologia que se vem fazendo com os bots há 40 anos. Quem há quase 40 anos programava nos velhinhos Spectrum já fazia qualquer coisa muito incipiente nessa matéria. Há mais de 20 anos nos chats era habitual essa ferramenta, claro que em moldes nada comparáveis aos que estamos a falar hoje. Não faço a menor ideia do que aí vem. Deixo pouco mais do que sensações.
Primeiro. Uma ideia um tanto simplista: também a televisão durante 80 anos foi um meio de disseminação de visões do mundo, tantas vezes adulteradas.
Segundo. A dúvida se é a tecnologia que anda a reboque da realidade ou esta daquela. Ou seja, a televisão, que já fora usada para a propaganda por Hitler (tal como o controlo e perversão da imprensa) popularizou-se nos anos após a Segunda Grande Guerra, num ambiente de vitória dos valores democráticos e da Liberdade. Na Europa, num ambiente de renascimento e cooperação entre Estados. O desenvolvimento da tecnologia de transmissão de imagens por via electrónica, apesar de ter começado a dar os primeiros passos nas vésperas do horror nazi, está mais associado a momentos felizes, digamos assim. Por cá, crescemos a ver as guerras ao longe (no caso português, apesar de estarmos envolvidos em guerra nos anos 60/70), a assistir à denúncia dos regimes totalitários. Esse é o testemunho que sobressai da televisão. Apesar disso, criaram-se na comunicação social, sobretudo na televisão, mas não só, mitos e simplismos, dividindo o mundo, nas últimas décadas, entre os puros e os perigosos fascistas - nos últimos anos também entre os puros e os perigosos comunistas -, desprezando todo o contributo que qualquer individuo considerado mais radical de direita ou esquerda possa dar. Por exemplo, é muito comum em Portugal haver absoluta incapacidade para ler uma pessoa válida, informada, culta e lúcida, por estar conotada com a defesa do Salazarismo - tal como há, em meios com menos audiência até há pouco, anticorpos inultrapassáveis em ouvir gente que tenha estado empenhada nos anos 70 na defesa da criação de um Estado Socialista e não renegue esse passado. E quem dá estes exemplos dá outros mais actuais. Seja o caso dos defensores da privatização da Saúde e dos protectores do Serviço Nacional de Saúde. As incompreensões em tempos de crise e de sensibilidades à flor da pele acicatam de parte a parte a agressividade (tantas vezes disfarçada de cinismo) e tornam mais engenhosos e cada vez mais radicais e cheios de razão os defensores de cada lado das barricadas, não permitindo chegar a pontos de confluência de interesses e valores, a bem do país.
Terceiro, o aparecimento e massificação da internet, uma ferramenta criada inicialmente para troca de conteúdos entre universidades, está a dar-se num momento de decadência da Liberdade. Não sei explicar a raiz dessa decadência. Ainda será cedo para entender ou serei lenta, é bem possível. Claro que há gente que a explica de uma penada com a ignorância, a falta de exigência no ensino e a desvalorização da importância do conhecimento do passado – às vezes vejo a defesa destes argumentos feita por gente que a todo o momento revela abundância de preconceitos e profunda ignorância não tendo a menor consciência dela. É verdade que a falta de juízo crítico e a notória falta de conhecimentos de História (às vezes, em supostos estudiosos da área) de vasta percentagem da população não augura nada de bom, mas não sei se isto por si só explica a decadência. Afinal o mundo nunca deixou de ser assim: uma elite com acesso ao conhecimento e ao poder face a populações manipuláveis. Apesar de hoje compostas de cada vez maiores camadas de gente mais “informada”, com mais licenciaturas, mestrados e doutoramentos do que nunca - e mais convencidas da sua ciência do que nunca.
Quarto. Há um factor que distingue decisivamente a televisão da internet: a obscuridade da identidade de quem tem acesso ao poder. Sempre tivemos demagogos e manipuladores na televisão, mas sabíamos quem eram, tinham face. Na internet a identidade é diluída. A manipulação da opinião pública, ou dos utilizadores das redes sociais, é feita sem os constrangimentos que a coragem do assumir da identidade por inteiro acarreta. A disseminação das falsidades e o uso de perversidades são feitos muitas vezes sob anonimato ou pseudónimo. E mesmo que não haja anonimato há uma certa capa de protecção que o mundo online confere retirando susceptibilidades e fragilidades que o mundo físico impõe.
Quinto. A vida online permite interacção, tornando-se por isso mais viciante do que o mera atitude passiva de assistência da televisão ou dos outros meios de comunicação social. A interacção potencia a ideia que se faz parte da rede – uma convicção de aparente democraticidade por participação cívica. Pode induzir na ideia errada de que se tem mais poder e influência do que efectivamente existe. Ou seja, quanto menos preparado e, simultaneamente, mais ambicioso o individuo for mais perigosa será para si a utilização da internet – acabará por ser engolido pelo próprio logro.
Sexto. No entretanto, o mundo online permite a ascensão à governação e ao mundo das influências e interesses sociais, económicos, políticos e culturais daqueles que sempre a eles acederam: os que valorizam e sabem gerir as redes de relações interessadas e os mais habilidosos na retórica e no uso da tecnologia, hoje sob a égide dos grandes grupos económicos, nos quais também figuram as grandes empresas tecnológicas, a quem tudo quanto interessa é vender e ganhar mais, compactuando se preciso for com ideários totalitários, de esquerda ou de direita. Se hoje se inclinam mais para um lado, amanhã mudarão: o dinheiro não tem cor, cede a quem der mais.
Sétimo. O ChatGPT como “aperfeiçoamento” de pesquisas e conversas mecanizadas é tanto mais perigoso quanto se tiver em consideração os pontos anteriores. Não deixando de ser verdade o que digo, será lutar contra a evolução e o futuro dizer que é um instrumento tecnológico apto a ser usado para manipular a opinião pública e que pode ser utilizado na propaganda sendo desaconselhável na organização de entidades públicas e privadas por já todos conhecermos as enormes deficiências e contra-indicações das máquinas que conversam connosco. Apesar do susto de ver uma ferramenta em potência insensível e ignorante ser utilizada em termos universais, ela vingará quer barafustemos ou não. Sempre foi assim que os progressos tecnológicos se impuseram no mundo. Cabe-nos apenas perceber que, como a televisão, esta ferramenta fundada na IA pode ser usada para fins de manipulação, de propaganda totalitária e puritana, ou ser utilizada de forma a promover os valores democráticos e a Liberdade. E se hoje é usada para debitar uma cartilha tendencialmente de esquerda e identitária, é porque é isso que vende. É por haver comprador. Isso sim devia levar muitos bem pensantes e orientadores de opinião na comunicação social e redes sociais a pôr a mão na consciência e perceber que mentalidade dominante ajudaram a criar nas últimas décadas. Inverter a situação não passa por ser reaccionário, mas por fazer contrapeso sensato e corajoso. Em Portugal, em concreto, há anos de atraso no que diz respeito à aceitação de algumas ideias moderadas (tidas erroneamante por radicais) de direita que são pura e simplesmente enxovalhadas na comunicação e redes sociais, sempre que ditas em voz alta. Mas para que elas sejam aceites é preciso acabar com duas pechas de direita: a típica prosápia infundada e a falta de sensibilidade social.
No Expresso.
Desde ontem pipocaram-me a mioleira três tópicos para escrever. Vou como habitual usar a agenda para os deixar em suspenso até surgir oportunidade de desenvolver.
Imaginando que daqui a 10 anos estamos sob a pata de um regime autoritário de Direita, é-de pensar que será feito da vozearia uníssona dos democratas de ocasião que domina a comunicação social, as empresas, editoras e consultoras de divulgação de propaganda política e cultural, os blogues e redes sociais vips. Enfim, os marketers da política e cultura. Naturalmente, a maioria destes orientadores de mentalidade não arredará pé dos seus postos privilegiados. Adequará outrossim, e como é habitual em Portugal, o discurso à situação para se manter na mó de cima com o regime que vigorar. Com oportunismo usará a mesmíssima retórica para defesa de tudo quanto hoje diz detestar. O móbil é o poder e não os princípios. O conhecimento - em rigor, mais parco do que a aparente vastidão dos catálogos debitados e rendilhado da narrativa - é posto ao serviço de interesses egoístas, pessoais e de clã.
Assim que caísse o regime autoritário de Direita - que não creio venha sequer a vingar, ou pelo menos assim tenho esperança, apesar de tudo depender da evolução da guerra e conflitos que se avizinham e dos ajustes e desajustes de poder das principais forças e agentes internacionais -, a mole de gente que domina a opinião em Portugal construiria uma história de incontestáveis factos de resistência aos anos de ditadura que comoveria as pedras da calçada, para se alçar de novo a paladina da Democracia. Enalteceria de novo o pluralismo de opinião, que às suas mãos se reduz a mecanismos de manipulação do pensamento, assim se perpectuando no poder fáctico seja qual for a circunstância, seja quem vingue no aparelho de Estado. E assim se faz a História que não vem nos manuais.
Só banalidades. Só bitaites comezinhos. Neste espaço não se passa disto, não se aprende nada. Aliás, aqui é só atoardas. Nada que interesse a iluminados. Ide procurar substância, rigor e erudição noutro lado. Andor.
Esta noite regressei ao velho hábito do computador no colo enquanto estirada no sofá. Televisão na SIC Notícias para me ligar ao mundo – bom, ao mundo com tempo de antena. Já ontem a deixei ligada após o jantar para ir ouvindo o que se passa por aí. Dois dias de notícias, ena.
Ontem dei por mim a ouvir um dos blocos informativos, no qual um comentador que considerava, pelo registo franco e honesto, demonstrou já se ter deixado corromper nas ideias. Até há poucos anos dizia o que pensava, hoje limita-se a debitar a irritante lenga-lenga do mainstream informativo-opinativo – aquilo a que durante muitos anos chamei mentalidade de jornalista e hoje é a mentalidade dominante no mundo. Deixou de contar, senão para a contabilização do amontoado de gente que se vende às exigências da falsidade e de modo perigoso encaminha o país para o canto da sereia da autoridade. Sejamos optimistas: pode ser que não corra mal e ainda haja tempo. Pode ser que possa continuar a acreditar que não é irremediável o caminho para a vitória do populismo autoritário (por enquanto vivemos de populismo democrático). Pode ser que não esteja enganada como nas últimas eleições, mas a força da mentalidade acima referida é avassaladora e assim sendo é muito difícil vingar o bom senso no quotidiano político e nas urnas – a população sente-se desnorteada com toda a razão e os mantras da comunicação social são de uma pobreza de rectidão insuportável. Não me vou demorar no tema, por já muito escalpelizado nas Comezinhas. A ideia é simples: a lei da rolha imposta pelo politicamente correcto ou tonteria dos zelotes da imaculada democraticidade das almas tem como consequência o engrossar das hostes ditas radicais. O caminho deveria ser o do esvaziar do populismo pelo encarar com verdade e sem falsos pudores as questões melindrosas. Trazê-las para o espaço de debate dito respeitável sem os habituais anátemas. Resolvendo-as. Pegar nas várias bandeiras populistas e encará-las sem medo, por representarem capital de queixa das populações, que jamais devem ser metidas debaixo do tapete ou sufocadas, minando desta forma a saúde da Democracia. Abafar melindres (tantas vezes maioritários, apesar de não reflectidos no voto) significa calar as populações, o que nunca é boa ideia. Mas, lá está, isto é chover no molhado e muito tempo passará e eleições se realizarão antes que estas constatações sejam absorvidas no discurso dominante. Sendo os portugueses gente de meias-tintas pode ser que passemos entre os pingos da chuva, fazendo de conta que não percebemos o que se passa à nossa volta e dizendo frases simpáticas e falsas que quase todos fingem gostar.
Vi também o programa de debate risonho entre o humorista intelectual, o candidato a ministro da cultura de direita e o comentador da voz comum com as antenas atentas mas ainda criticas à voz dominante. O primeiro citou a clássica ‘nada do que é humano me é alheio’ e discorreu sobre as modernas adulterações, o segundo fez uma piada sobre ir a despacho por emoji naquele ar de quem se ora se diverte ora se enfada com este mundo de gente desprovida de decoro e inteligência, e o terceiro chutou para o canto de problema laboral uma dessas questões que provocam imenso pipocar nos corações dos comentadores dos floreados. Disseram muito mais, mostraram muito calo retórico e inteligência e eu estava em simultâneo a tratar de uma qualquer tarefa. Há muito não os ouvia e julgo que passará outra larga temporada sem o fazer. Já houve tempo em que acompanhava esse e outros debates. Cansei.
Hoje a propósito de leituras nos jornais dei por mim a congeminar qual será a corrente não só de estilo e linguagem, tout court, como de semântica, que vingará daqui a 40 ou 50 anos? À parte da sucessão de correntes há sempre aquilo que acrescenta à bola de neve conferindo nova dimensão. É a isso que me refiro e não a movimentos conjunturais. Fico a pensar se será um certo despojo por distanciamento dos depósitos de erudição. Por mais que respeite gente conhecedora de toponímia, referências cinematográficas, literárias, artísticas, históricas etc. e tal, textos com profusão destes expedientes, num tempo de multiplicação de dados, informação e conhecimento, podem cair em desuso. Claro que virão os excitadinhos do costume falar da promoção e vitória da ignorância, na luta inglória pela cultura, nas cruzadas pela erudição. O caso, pelo contrário, é de exigência. Depósitos e catálogos continuarão a ter o seu espaço, mas serão isso e não reflexões. Pensar implica conhecimento, mas também distanciamento dele. Depuramento dos dados, distância da informação. Se puser a mão em cima dos olhos deixo de a ver.
É a nova versão do Estado sou eu, mas agora pela prédica de cristão bem-intencionado.
Diz que o Governo deve governar melhor, a Oposição ser mais afirmativa e pede à Câmara Municipal de Lisboa que gaste menos no palco para receber o Papa. Diz tudo isto e muito mais sob os holofotes dos jornais e televisões. Diz tudo a toda a hora sempre de megafone na mão, procurando agradar ao maior número de portugueses.
E, no entretanto, diz-se preocupado com a perda de relevância das Instituições. As tais que todos os dias pisa e desconsidera através dos inúmeros bitaites, amplamente secundado pela comunicação social. Só rindo.
Entretanto os entertainers da informação e da opinião continuam a distorcer o passado do país e a tentar manipular o presente em benefício da manutenção e fomento da rede de interesses que mantém o país nas mãos de uns tantos presumidos de pouco valor especialistas no auto-elogio e na promoção de governantes e opositores de modo a que, ficando a dever o favor, giram os interesses da fraca casta. O discurso passa sempre pela valorização dos simulados mantras das últimas décadas - que conferem bilhete de ingresso no mundo audível dos meios de comunicação e redes sociais -, e a omissão deliberada ou o refutar de factos relevantes para o percurso da nação, apelidando-os de mentiras ou ódios. Tudo quanto explica o estado de neurose a que chegamos é enfiado debaixo do tapete. E assim se adia o país.
O Estado sou eu e um punhado de gente de pouco valor e avessa à verdade.
E não somos. Tudo quanto nos parece evidente, tudo quanto nos é repelente num ápice pode mudar. As circunstâncias baralham os gostos e aquilo que dá ideia ser traço de personalidade, de carácter até, esfuma-se nas contradições mais saborosas da vida. Todos os paus que engolimos e nos fazem ficar tesos de postura, levando-nos a gabar de ter a espinha muito vertical, quantas vezes mais não é do que mania. Pode até ser uma mania com virtude, muito razoável, digna. Mas o vento das ocasiões, das gentes, das diferenças faz-nos mudar. Às vezes regressamos ao ponto inicial, voltando a empertigar-nos como se nada tivéssemos aprendido, como se não nos moldássemos. O dogmatismo diz mais das nossas fraquezas do que do conhecimento e valor que achamos possuir. Serve-nos de escudo para o desconhecido, que teimamos em catalogar de ignorância ou deseducação.
E agora passemos a gatos e à beijoquice. Passei a infância povoada de bicharada e sempre ocupada com cães e gatos, cuidando-os o melhor possível. Após o que que se passaram muitos anos sem o convívio diário com animais domésticos. Repele-me a sua equiparação aos humanos, por mais que goste de os tratar bem. Por mais que saiba que os bichos sentem e sofrem para mim há hierarquias e a vida e bem estar físico do animal não é igualável à do ser humano. Passei anos a fugir das pausas em grupo para café na empresa e uma das razões era a insuportável conversa diária sobre os gatinhos e as suas graças, com partilha de vídeos.
Tal como a conversa sobre gatos a beijoquice fora do nicho familiar ou de amizades próximas repelia-me. Cresci com imenso mimo e fartas demonstrações de afecto familiar. Sei que isso me fez tal como sou: crédula à partida na bondade das pessoas e a levantar a cada desilusão. O depósito de amor que me foi creditado na infância é inesgotável, como se renovasse, permitindo a superação a cada contrariedade. Mas esse reduto de carinho estava reservado ao nicho familiar, aos amigos próximos e, naturalmente, aos amores. Estranhava a beijoquice entre pessoas que apenas se conhecem superficialmente e para dizer a verdade sempre achei o aperto de mão nas relações sociais ou profissionais coisa muito mais civilizada. Há no beijo uma intimidade que me parece excessiva. Claro que isto resulta da educação, do gozo que sempre vi nos meus, sobretudo mais velhos, com os excessos de intimidade com meros conhecidos ou estranhos.
E agora? Os gatos. Está a fazer dois anos da chegada do Ritz cá a casa. Ao fim de tantos anos sem bichos para mimar tornou-se centro de atenções. Passou a ser um dos meus ai-jesus. Quando falo com amigos e conhecidos refiro-o amiúde. Já publiquei um vídeo dele no blogue. É assim a vida. Fonte de contradições. Nem por isso faço-o equivaler a gente. A vida do bicho por mais que goste dele não se equipara a do ser humano. Direi isto só por dogmatismo? Por teimosia arreigada a valores herdados? Com franqueza não sei responder à pergunta.
A beijoquice. Ao longo da vida passei por várias circunstâncias em que trocar beijos entre colegas ou conhecidos era um hábito aceite e imposto pela maioria, habituei-me um nada contrariada com base no em Roma sê romana, com a popularização da beijoquice nas últimas décadas na sociedade portuguesa. Acresce que desde miúda tenho uma questiúncula: cresci a dar apenas um beijo quando estava com a família materna e dois beijos quando com a família paterna. Claro que me baralhava, trocando os territórios e usos diferentes. Os meus amigos queixavam-se que os deixava pendurados à espera do segundo beijo. É a vida. Nem todos temos a mesma história em matéria de beijos – isto daria um tratado.
E agora? Aqui nos blogues é uma beijoquice pegada, como já foi antes noutros espaços virtuais em que não conheço a esmagadora maioria das pessoas senão online. Tanto deixou de me fazer confusão como acabo por promover a beijoquice, aderindo ao ambiente menos formal, mais descontraído. Será excesso de intimidade? Corresponderá a uma certa hipocrisia ou falsidade? Por desfasamento do real grau de conhecimento ou cumplicidade entre os beijocadores. Dificultará a seriedade com que assuntos mais densos deveriam ser tratados? A austeridade, que aprecio bastante, conferirá maior sobriedade à abordagem dos temas que vão surgindo? É possível. Mas não haverá espaço para tudo? Não saberá bem a beijoquice distendendo as relações? Não tenho respostas definitivas, nem dogmas sobre a matéria. A vida vai-se fazendo, vivendo.
E o que somos? O que vamos sendo.
*
Temas importantes em tempo de guerra e de efervescências várias, em época de mudanças estruturais de mentalidade. Cada vez que escrevo um post como este acima sinto-me a dar lanço à realidade - a deixá-la ir para a apanhar mais tarde -, sinto-me a ganhar fôlego.
Há pouco o Nuno contou-me que passou na SIC uma reportagem sobre trufas brancas. Ao que parece andam por aí investigadores italianos, futuramente com cães, à procura das ditas. Imagino que em breve teremos a moda do cultivo e das receitas nas páginas lifestyle.
Nos primeiros anos de vida em comum preparei-as algumas vezes com ovos mexidos por sugestão do Nuno, cujos familiares no Alentejo continuam, como sempre fizeram, a encontrar no campo verificando as rachas na terra, e a consumir como ingrediente nas refeições. Normalmente fritas, ou guisadas com leguminosas, como o Jantar de Grãos.
Mandavam-nas por correio. Para dizer a verdade, quiçá resultado da minha inabilidade para as preparar com sabedoria, não fiquei particularmente fã, atento o paladar a terra.
Talvez um dia perca uns minutos na internet a saber como se cozinham para melhor resultado e peça ao Nuno para falar com os primos a lembrar o gosto pelas atubras. Ou isso, ou esperar pelo resultado das científicas investigações italianas e pelos futuros numerosos posts de connaisseurs na matéria, que apontarão todos os erros de confecção aos antigos consumidores portugueses.
Pura, diz-te quem te é mais íntimo. Burra, ingénua, traduzes. Não, nem uma coisa nem outra, retorque quem te ama. Pura, no sentido de original não contaminada, esclarece. Dizes isso por gostares de mim, desacreditas. Genuína, dizem-te no local de trabalho. Isto a propósito das correcções de ideias e precipitações sucessivas que dão aquele ar atabalhoado e te fazem sempre chegar ao ponto de desistir de corrigir sob pena de além de atabalhoada pareceres desaustinada. Ah e tal, dá tanto valor à opinião dos outros. Bastante menos dos que fingem e todos os dias sentenciam os defeitos dos outros, ao mesmo tempo que constroem a imagem em cima da dissimulação de falhas próprias e de sacanices diárias. Um através de melodias, imagens e citações, de um enjoo e burlesco só, que dirige de modo encoberto. A fazer-te lembrar um outro da mesma estirpe que no passado te disse ter-se afastado da pessoa a quem mais queria por querer protegê-la do facto de ser uma pessoa muito invejada. Acreditas, convencido de por ela ser estimado, já que dizia que ninguém como ela o compreendia. Se tivessem noção do ridículo dos tamancos que nunca descalçaram e da comiseração que inspiram. A ausência de espelho em casa é notória.
Lembras a forma cínica como os portuenses e os nortenhos são vistos por quem diz admirar a sua frontalidade e carácter genuíno. Uma admiração embusteira pela fraqueza e carácter autêntico de quem se considera menos iludido, mais esclarecido e sofisticado. De quem precisa de lançar mão do elogio fácil para caracterizar aquilo que considera torpe e rústico. A fórmula mágica para esconder a índole desleal é apregoar quão castiços são os portuenses, esses espécimes de zoológico - afinal a vida civilizada é dura e os cosmopolitas têm de se resignar a ser mais maduros e reflectidos. Já no Norte a maioria diz o que pensa. Pacóvios, não sabem estar em sociedade nem dispõem da arte de manejar as armas de acesso ao poder.
A menos que o portuense ou nortenho faça parte (e faça questão em afirmá-lo) de uma aristocracia antiga que deslumbra de forma bacoca os ditos sofisticados. Ridiculamente bajulados por estes cabotinos, esperançosos de enobrecer por osmose – os presunçosos sempre no encalço e sombra de quem lhes der ser e a cada instante e a desproposito a mostrar intimidade com os ilustres do país inteiro. Ou, então, da sua terra fique a devanear com as luzes do adro, essa referência de mundo instruído e arejado a quem se associa à distância em reverência iludida. Ou, por fim, emigre para a provinciana capital em busca do el dourado (das oportunidades para a marabunta e das boas relações e dos corredores do poder para os futuros notáveis) e se transforme numa caricatura dos piores tiques de adro da igreja de aldeia, que é Lisboa e arrabaldes. Há-os aos magotes entre os ilustres, fazem a essência do esfuziante centro de poder nacional, essa galeria de intriga política e vaidades, feita de ganapos arrivistas e empinocadas para a missa de Domingo. O sermão esse passa todos os dias na televisão, nos jornais, blogues, twitters e outras redes sociais de referência, que afirmam dar muito valor ao debate e à Democracia. Comunhão perfeita entre naturais e emigrados há mais ou menos gerações, todos munidos de grande oratória e vastos dotes de argumentação, considerando-se muito arrojados, pensados e sofisticados. Habitantes do centro do mundinho. Hoje alagado – termo bem rústico – pela chuva e tanto brilhantismo de gerações e gerações de iluminados a debater e administrar. Infelizmente, os mesmos que nos têm governado.
Mas o que é tudo isto face às consequências das alterações climáticas? Nada mais do que bairrismo, ressabiamento e má-vontade. Na tua casa há espelho.
Votos de boa terça-feira.
Boa terça-feira.
Obrigada, Pedro.
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