Comezinhas

Por volta dos anos 50, no tempo do bisavô, no recanto da porta do escritório mais tarde sombreado por um caramanchão de maracujás, a que sempre chamávamos cantinho do avô em sua honra, entre as cadeiras de estopa e o banco de pedra, aninhava-se a Virinha (Elvira) ainda miúda a bordar ao lado de outras companheiras – mais tarde viria a servir lá em casa e contou-me isto para que tivesse a noção há quantos anos aquela era também a sua casa. Nos anos 90 e até ao fim acompanhou a avó. Dava-se mal com a Susana argentina, a dama de companhia amiga do tio G. que viveu em Valinhas nos últimos anos da avó. A crueza rústica da vida de uma nortenha ligava mal com liberdades e laivos de politicamente correcto de Buenos Aires.

A Virinha tinha começado a trabalhar dentro de casa quando a Glória, cozinheira (entrada nos Verdes), se foi embora. O tio G. dizia com graça que a Virinha tratava os aviões como a carreira das cinco: quando chegava vindo da Austrália ela recebia-o dizendo que o vira passar no avião das cinco da tarde. O tio esquecia-se que a Virinha vivera uns bons anos em França e conhecia Jerusalém. De facto conhecia os aviões quase tão bem como as carreiras. De corpo teso e delineado marcava presença como figura primeira da freguesia todos os sábados à tarde no banco corrido da frente da Igreja de São Cristóvão, cuja limpeza e zelo tinha a cargo. Na casa das tílias, além de cozinhar e tratar da roupa, limpava o pó vite-vite com o espanador e fazia comentários laterais enquanto decorriam os telejornais, o que deixava a avó entre atónita e colérica.

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